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O guardião da cidade no mundo virtual

Por Vitor Hugo Brandalise
Atualização:

Um sofá verde-escuro, uma almofada preta e um laptop, presente do pai: eis as ferramentas para manter protegida uma cidade inteira. Digitando da sala de casa, um zeloso vigia se propõe a cuidar da reputação paulistana na internet - trata-se de Heitor Carvalho Jorge, principal responsável por atualizar o verbete São Paulo (cidade) na Wikipédia, com 785 edições desde 2007 (o dobro em relação ao segundo maior colaborador). Defesa contra vândalos, checagem de informações, adição constante de dados. Trabalho duro que garantiu ao jovem editor de 18 anos a inesperada reputação de guardião virtual da metrópole.Exemplo: 1h30 da madrugada, 24 de setembro de 2009 - Heitor, equilibrando o laptop sobre a almofada, resolveu checar a página da cidade, uma última vez antes de dormir. Boa pedida. Havia duas horas que os três principais rios da capital, Tamanduateí, Tietê e Pinheiros, estavam definidos na rede por palavrões impublicáveis. "Eram os vândalos, esses crápulas", comentou - demonstrando, nas poucas palavras, o valor que atribui ao serviço voluntário na enciclopédia virtual. "É gente sem mais o que fazer. Checo a página uma vez por dia, tentando garantir a informação correta."Para entender as razões da obstinação, ele conta, basta olhar para dentro. Heitor começou a editar a Wikipédia como a maioria - pelo verbete da cidade onde mora. No seu caso, Santa Bárbara d"Oeste, a 130 quilômetros da capital. Depois, juntou-se às centenas de usuários que já construíam o artigo de São Paulo - sua cidade natal, apesar de sempre ter vivido no interior. "Gosto de pensar que é também um capítulo da minha história."Aos poucos, conseguiu se destacar entre os editores, em esforço fácil de identificar no histórico de atualizações do verbete. Após início discreto - sua primeira colaboração foi trocar uma foto do Centro Empresarial Nações Unidas, na zona sul, por outra do mesmo complexo, parecidíssima -, em alguns meses, Heitor criava tópicos importantes. A seção de Economia, com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os quais os repasses do governo à cidade, por exemplo, é obra dele.Também foi Heitor quem criou a galeria de fotos que apresenta a cidade, com imagens da Ponte Estaiada, do Parque do Ibirapuera, da Catedral da Sé. "Os editores brigavam para decidir a imagem, já que não há um só cartão-postal. A montagem resolveu o problema." Outros capítulos históricos foram adicionados por ele, como quando incluiu o compositor Adoniran Barbosa, orgulho paulistano ignorado no verbete da capital até dezembro de 2009, por exemplo.Para garantir boa reputação na enciclopédia, é preciso que o artigo se aproxime da imparcialidade - para isso, ele buscou nos arquivos o ranking oficial de homicídios e os números da escalada de frota e congestionamentos da capital. "Temos de mostrar também desigualdade, não só beleza."Apesar da dedicação, Heitor não se vangloria pelo recorde de atualizações da página, visitada por 100 mil pessoas todo mês. "É trabalho voluntário, não busco reconhecimento por isso", disse, numa tarde recente, nas Faculdades Campinas, onde estuda Relações Internacionais. "Penso em quem recebe a informação. Imagino uma criança, pesquisando para a escola. É uma responsabilidade grande."Wikivida. Por passar tanto tempo na Wikipédia, grandes conquistas de sua vida estão ligadas à rede. Fazer com que o artigo da cidade constasse como "destaque", por exemplo, foi seu objetivo principal em 2008. É o mais alto grau de reconhecimento no website. "Fizemos uma força-tarefa, para levar ao artigo tudo o que os administradores exigiam." Na terceira eleição, em janeiro de 2009, finalmente conseguiram. "Não estourei champanhe, mas foi um dia bem feliz."No histórico do verbete, há mais indícios da dedicação de Heitor. Percebe-se, por exemplo, que adicionou informações sete vezes, entre 21h50 e 23h31 de 25 de dezembro de 2007. Mesmo que fosse Natal, era importante trocar uma foto do Itaim-Bibi e adicionar informações sobre teatros na cidade. Também atualizou a página na noite de 5 de abril de 2008, quando trocou o número de linhas do Metrô - embora fosse, também, dia de comemorar seu 17º aniversário. "Levo a sério a rede social. Aprendi a argumentar para justificar as mudanças e como me relacionar com as pessoas."O hobby acabou tragando também a família - preocupado com direitos autorais, Heitor passou a acompanhar o pai nas viagens à capital, a cada três meses, para produzir fotos. Clicou prédios históricos e vias conhecidas.Na foto da Rua Oscar Freire, um segredo. No canto direito, quem aparece, minúscula, é Nádia, professora de Educação Física - sua mãe. "Nem dá para ver, mas importa é que ela sabe", ele disse. "Só uma homenagem." Singela forma encontrada pelo dedicado usuário Heitor C. Jorge para aproximar, de sua própria história, fatos da cidade que se propôs a defender.

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