O gestor nasceu na política. E agora volta ao governo

Trinta anos separam a posse de João Doria Jr. na Prefeitura da sua nomeação para o último cargo público que ocupou, a Embratur

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Por Adriana Ferraz e Fabio Leite
Atualização:

SÃO PAULO - Dois canhões de laser iluminavam o luxuoso auditório do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Rio, para a cerimônia de posse do novo presidente da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur). Cerca de mil pessoas, entre governadores, políticos, empresários e artistas, aguardavam o discurso de João Doria Júnior. “A Embratur é um cabide de empregos”, bradou o jovem de 28 anos. “Dos 500 funcionários, 50 não trabalham e jamais foram à empresa”, concluiu naquela terça-feira, 18 de março de 1986.

Indicado ao cargo para o presidente José Sarney (PMDB) pelo então governador paulista Franco Montoro (PMDB), Doria anunciou como meta cortar 10% da folha de pagamento da Embratur. “Quero reduzir essas despesas, pois só assim é que poderemos começar a dar à empresa uma imagem de eficiência e exigir mais investimentos do governo para o setor”, justificou aos convidados, que depois se dirigiram a um coquetel em uma boate no Leblon.

Doria no comando da Paulistur, empresa municipal de turismo que não conseguiu salvar Foto: Arquivo Estadão - 4/9/1983

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Trinta anos separam a posse do novo prefeito de São Paulo do seu último cargo público. Seja pelo palco escolhido para a transmissão do cargo hoje à tarde (o inédito Teatro Municipal), seja pelas promessas feitas para enxugar a máquina (15% dos contratos, 30% dos cargos comissionados e 35% das despesas de custeio), João Doria, hoje com 59 anos, demonstra que pouco mudou como gestor no hiato que precedeu sua volta à política, agora eleito no 1.º turno, com 3 milhões de votos e o auxílio de outro governador paulista, Geraldo Alckmin.

Geração. Filho do ex-deputado federal baiano João Doria, quadro da esquerda do Partido Democrata Cristão (PDC) que foi cassado em 1964 pelo regime militar depois de insistir em uma CPI para investigar o financiamento estrangeiro em empresas jornalísticas brasileiras, o jornalista e empresário aponta a figura do pai como exemplo de caráter e inspiração política. Foi graças ao patriarca, amigo de Montoro, que Doria Júnior ingressou na vida pública, indicado para chefiar a secretaria e a empresa municipal de turismo (Paulistur) na gestão do prefeito Mario Covas (1983-1985).

Responsável por organizar e financiar o carnaval paulistano no Anhembi, a Paulistur estava atolada em dívidas. Doria, então recém-formado em Comunicação Social, com passagens por emissoras de TV e agência de publicidade, apostou na criação de dois conselhos (Lazer e Turismo) para propor ideias para desenvolver o setor na cidade.

A exemplo dos conselhos anunciados pelo agora prefeito da capital (serão 22), os grupos eram formados por “pessoas bem-sucedidas em suas atividades”, como definiu à época. Entre notáveis, estavam a cantora Fafá de Belém, o ator Raul Cortez e o jogador Sócrates.

Embora algumas ideias tenham saído do papel, como a criação da Feira de Trocas no Bexiga, nem Doria nem os famosos conseguiram salvar a Paulistur, que foi desativada pelo sucessor de Covas na Prefeitura, Jânio Quadros, crítico da gestão Doria.

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“O atual prefeito (Jânio), que acabou com a Paulistur, e portanto não deve gostar de turismo, deve ter ficado irritado com a minha nomeação”, disse Doria após Jânio sugerir sua demissão da Embratur.

Na estatal do turismo nacional, o publicitário encampou a criação do dólar turismo (em 1988) para combater a ação de doleiros e apostou em campanhas para vender a imagem do País no exterior, uma delas acusada de promover o turismo sexual por expor o corpo feminino, o que ele sempre negou.

Promessas atuais de João Doria são parecidas com as que fez quando assumiu a Embratur Foto: Sergio Castro/Estadão

Talk show. A transição da vida pública para a privada foi rápida. Em menos de seis meses, Doria já estava sentado ao lado do milionário americano Malcolm Forbes, dono da revista Forbes, em sua estreia como apresentador de TV no programa Sucesso, na Bandeirantes.

O nome fez jus à trajetória que se sucedeu do empresário. À frente do Grupo Doria desde 1992, ele se notabilizou por promover encontros de importantes executivos com políticos e autoridades nos almoços mensais do Lide, agremiação empresarial que criou em 2003 e que hoje reúne 1,7 mil filiados - ou 54% do PIB nacional, como costuma dizer.

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“Ele se diz empresário, mas não produz nada. O que ele faz é cobrar de executivos de empresas para aproximá-los de agentes públicos e políticos”, criticou o ex-governador Alberto Goldman (PSDB), que contestou duramente a candidatura de Doria a prefeito durante o processo de prévias tucanas na qual ele derrotou o vereador Andrea Matarazzo com a ajuda de Alckmin. Uma das broncas de Goldman com o correligionário era o fato de Doria usar como mote de campanha a frase “não sou político, sou gestor”.

Filiado ao PSDB desde 2001, Doria não deixou de circular na política, ainda que no ambiente empresarial. Tem como trunfo a forma de abordagem, quase sempre direta, sem intermediários. Em três meses de transição, ligou para presidentes de multinacionais, como a Mitsubishi, pedindo veículos para o programa de segurança no trânsito e até para o padre Julio Lancellotti em razão de um mal-entendido após uma declaração sua sobre moradores de rua.

“O João valoriza as pessoas, tira delas o melhor. Como prefeito, ele vai dar o exemplo e as pessoas vão trabalhar bem, você vai ver”, diz a presidente do Lide Mulher, Sonia Hess de Souza, presidente da Dudalina.

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Nos almoços do Lide, ele fiscaliza do cardápio à posição dos talheres e taças. Arruma quadros na parede, recolhe papéis do chão e alinha gravadores e microfones posicionados à sua frente nas entrevistas. O cuidado é estendido ao visual. Para não correr o risco de ficar com a roupa suja ou amassada durante o dia, leva uma troca idêntica a que está usando. Tudo para se manter impecável, o que inclui o corte de cabelo, exercícios diários e hábitos saudáveis - não bebe, não fuma e prefere pratos leves, como peixes grelhados.

Dono de uma fortuna de R$ 180 milhões, o tucano vive com a mulher, a artista plástica Bia Doria, e os três filhos em um dos maiores casarões de São Paulo, nos Jardins. O voto da periferia, conseguiu graças ao slogan “João trabalhador”, que tentará preservar no mandato. Amanhã, estará vestido de gari limpando as ruas da região central da cidade, um gesto político que faz o paulistano lembrar de seu antigo desafeto, Jânio.

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