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O escândalo da CPI secreta de 48

Investigação de achaque a donos de cinema, na primeira legislatura após o Estado Novo, jamais veio a público

Por Diego Zanchetta
Atualização:

  Atas das sessões secretas da Câmara Municipal de São Paulo revelam os detalhes mantidos sob sigilo de um escândalo ocorrido há 62 anos. O Estado teve acesso à integra da CPI do Achaque aos Cinemas. Não foi uma investigação qualquer. Feita a portas fechadas dentro da Presidência da Casa, a comissão envolveu personagens da história do País, como o presidente Jânio Quadros, então vereador aos 30 anos. Após nove meses, o caso foi arquivado sem culpados.

Em janeiro de 1948, depois de 11 anos fechado pelo regime do Estado Novo de Getúlio Vargas, o Legislativo paulistano foi reaberto com 45 vereadores eleitos no ano anterior. Marrey, Smith Vasconcelos, Gomes Pedrosa e outros sobrenomes da elite paulistana figuravam na primeira legislatura oficial da Câmara. E as polêmicas envolvendo parlamentares não demorariam a surgir.

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Donos de cartórios, o vereador José Cyrillo, de 36 anos, do Partido Social Democrata e filho do embaixador na Bélgica Carlos Cyrillo Júnior, apresentou no início de março um projeto que fixava em 5 cruzeiros o preço máximo dos cinemas. Com 2 milhões de habitantes, São Paulo levava 30 milhões de espectadores por ano às 102 salas da cidade, algumas com capacidade para 3 mil pessoas.

Não havia tributos municipais sobre as bilheterias e os donos de cinemas começavam a figurar entre os homens mais ricos do Estado. O tabelamento dos preços das sessões passou então a dominar as discussões em plenário e ganhou apoio da população. Ao passar pela Comissão de Cultura, a proposta teve apoio decisivo do líder do Partido Democrata Cristão. "O cinema tem força educativa tremenda. Certo, anda desvirtuado na banalidade das películas musicais, na violência dos filmes de sangue e na imoralidade das produções de amores lascivos", escreveu o jovem Jânio Quadros em seu parecer.

Nomeado relator do assunto, Brasil Bandecchi também manifestou apoio, "haja vista a renda astronômica auferida pelos cinematógrafos paulistanos". Cartas de apoio da população ao projeto começaram a chegar ao Palacete Prates, sede do Legislativo na Rua Líbero Badaró. Tudo indicava que o ano de "reestreia" dos vereadores receberia as boas-vindas da sociedade.

Denúncia. Em maio, quando o tabelamento já era assunto obrigatório nas cafeterias do centro, chegara aos ouvidos de vários líderes os boatos de que Cyrillo estaria pedindo, em conjunto com o vereador e médico Ottobrini Costa, propina de 1,6 milhão de cruzeiros para os donos de cinema. Em troca, Cyrillo teria prometido retirar seu projeto de pauta.

No dia 3 de maio, o vereador Cantídio Sampaio revelou ao presidente da Câmara, José Adriano Marrey Júnior, que o autor dos boatos era o vereador Angelo Bortolo, dono do Cine Hollywood de Santana, na zona norte. No dia 24 do mesmo mês, Marrey determinou a instauração de inquérito secreto para apurar as denúncias e nomeou os vereadores Marcos Mélega e José Estéfano para ajudar nos trabalhos. Também foi nomeada a escrivã de "padrão H" Olayde Caçador de Mello. Estava formada a CPI.

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Convocado à sala de Marrey Júnior, Bortolo confirmou ter sido chamado por Cyrillo para intermediar contato com donos de cinemas. "Ele queria 1,6 milhão de cruzeiros para retirar o projeto", contou Bortolo. Segundo o vereador, os proprietários teriam desistido de pagar a propina após consulta ao jurista Miguel Reale, que considerou o tabelamento inconstitucional.

"Ele disse pra mim que mesmo que não conseguisse nada iria fazer um carnaval político dizendo que foi ele quem criou o projeto para fixar preços dos cinemas", contou à CPI o empresário Paulo Sá Pinto, dono do Marabá e do Ritz. Outras três testemunhas relataram que o suborno seria dividido entre parlamentares que apoiaram o projeto.

Defesa. Era 1.º de junho de 1948 quando Ottobrini Costa e Cyrillo foram se defender na sala da Presidência. Ambos argumentaram ser vítimas de um conluio entre Bortolo e Sá Pinto, sócios do Cine Hollywood, e negaram as chantagens. "O Bortolo me ofereceu convites de cinema para deixar de apoiar o projeto", contou Costa.

Os depoimentos ainda se arrastaram nos meses seguintes. Até que, no dia 25 de novembro, a Presidência foi surpreendida por um requerimento assinado por Bortolo, Costa e Cyrillo. O trio pedia a retirada de todas as denúncias feitas por eles e o arquivamento do inquérito. E o tabelamento também não foi aprovado.

CRONOLOGIA

1897, Rua do Tesouro

Câmara vai para o prédio do Tesouro do Estado, construção de João Teodoro Xavier na Rua do Tesouro com a 15 de Novembro

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1914, Palacete Prates

O prefeito Washington Luís assinou contrato de locação de propriedade do Conde Prates, na Rua Líbero Badaró. Câmara e Prefeitura ocuparam prédio que fazia parte do plano de reurbanização do Vale do Anhangabaú

1936, Palácio do Trocadero

Para dar mais espaço à Prefeitura, a Câmara vai para a Praça Ramos de Azevedo. No ano seguinte, o Estado Novo fecharia todos os órgãos legislativos do País

1947. Palácio Prates

Com o fim da ditadura Vargas, são realizadas eleições municipais. O Legislativo volta a dividir a sede com a Prefeitura, enquanto um novo prédio é projetado

1969. Palácio Anchieta

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Construído pela Alfredo Mathias S/A para também ser sede da Prefeitura, acabou virando a casa dos vereadores até hoje

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