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'O erro na pesquisa foi uma fatalidade'

Para presidente do Ipea, dado incorreto sobre violência contra a mulher não desacredita instituto nem invalida estudo

Por Vinicius Neder
Atualização:

RIO  - O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcelo Neri, rebateu as críticas recebidas após a admissão do erro, na última sexta-feira, no estudo sobre a percepção dos brasileiros em relação à violência contra as mulheres, divulgado uma semana antes. O órgão informou que 26% dos brasileiros, e não 65%, concordam, total ou parcialmente, com a afirmação de que "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". Para ele, o erro foi "uma fatalidade", não está relacionado a uma suposta perda de foco do Ipea, como sugeriram alguns críticos, e não invalida as conclusões gerais do estudo."Foi o famoso erro de planilha", disse Neri, também ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), em entrevista exclusiva ao Estado. Destacando a importância de o erro ter sido reconhecido publicamente, Neri comparou o caso a uma troca de dados identificada em um famoso artigo de coautoria de Kenneth Rogoff, professor da Universidade Harvard e ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), que seria descoberto ano passado, três anos após publicado.Houve problemas de metodologia na pesquisa?O problema que notaram afeta todas as pesquisas domiciliares. Quando você faz uma pesquisa do tipo, você entrevista quem está no domicílio. Há um viés, de alguma forma. Outra possibilidade é fazer uma entrevista com pessoas em trânsito, que é muito mais barata, mas aí você não pega as pessoas que estão em casa. A pesquisa tem uma proporção de mulheres maior do que a da população, mas não é um problema dessa pesquisa, é das pesquisas domiciliares. Mas, na verdade, isso não ajuda a explicar os resultados. Isso piora o problema. Se a pesquisa identifica machismo, isso (a maior proporção de mulheres) indica que ele poderia ser maior.Houve problemas com a revisão e a divulgação da pesquisa?Nesse caso, foi até certa fatalidade. Houve um erro de troca de números. Agora, o resultado geral da pesquisa, a tendência não muda. Muda o grau, mas não muda a conclusão geral, de que existe certa permissividade, certa tolerância com a violência contra a mulher. O crítico que fala que o Ipea está perdendo o foco pode perguntar o que o instituto tem a ver com a questão de gênero. Se você olhar a agenda da ONU (Organização das Nações Unidas), do Banco Mundial, da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), vai ver que essa questão é fundamental. As mulheres não são a minoria da população. São a maioria e há políticas que precisam ser desenhadas.Então o erro foi uma fatalidade?Foi o famoso erro de planilha. Houve uma troca. Tenho certo orgulho da humildade de reconhecer o erro. Teve o erro, fomos lá e assumimos. Quero ver quais são as instituições que assumem seus erros. E os autores e diretores que tomam a decisão que foi tomada (Rafael Osorio, responsável pelo estudo, renunciou ao cargo).Com essas decisões, a credibilidade do Ipea fica preservada? Nesse caso, foi uma coisa que dói muito, envolvendo uma pessoa com o gabarito que o Rafael tem como pesquisador. Mas ele sai por cima, ele caiu em pé. Faz parte, daria tudo para não ter acontecido.Qual a importância de o Ipea inovar suas metodologias na direção das pesquisas de percepção?Se não evoluir nisso, o instituto se torna um dinossauro em extinção. Pesquisar percepções é uma tendência forte. Não era tão reconhecida na economia, mas a partir do Prêmio Nobel dado há alguns anos para o pessoal que mexe com economia da felicidade, isso mudou (um dos nomes próximos a esse campo a ser laureado com o Nobel foi Daniel Kahneman, em 2002). Suspeito, não é uma coisa empírica, que é um dos campos que mais avançam (na economia).

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