O centenário do Biotônico

PUBLICIDADE

Por José de Souza Martins
Atualização:

Cândido Fontoura Silveira (1885-1974) era farmacêutico em Bragança Paulista quando, aos 25 anos de idade, em 1910, criou o Biotônico Fontoura, um fortificante e antianêmico, rico em ferro. Quase todo farmacêutico do interior tinha um medicamento de sua invenção. No mais das vezes, era um purgante. Eventualmente, um fortificante. O ideal de saúde era, então, o da pessoa gorda e mesmo o da criança gorda. Num romance ambientado nos anos 1920, da Sra. Leandro Dupré, Éramos Seis, que em boa parte se passa numa casa da Avenida Angélica, volta e meia Dona Lola, a personagem, se refere apreciativamente à robustez de crianças e jovens. Magreza era doença. Um remédio que abria o apetite tinha tudo para dar certo. Eram comuns, sobretudo na roça, as verminoses, que corroíam a saúde dos roceiros que andavam descalços, os parasitas penetrando pela planta dos pés, causa de magrezas que marcaram a imagem do caipira.Fontoura era amigo de Monteiro Lobato (1882-1948) que, em 1914, publica em O Estado de S. Paulo o artigo "Velha praga", no qual define pela primeira vez o perfil do Jeca preguiçoso. Por aquela época era comum a edição de almanaques distribuídos nas farmácias, com o calendário, as fases da lua, as épocas de plantio dos diferentes cultivos, anedotas e conselhos práticos. Lobato se tornara editor do Almanaque Fontoura, que ao longo dos anos teve milhões de exemplares de tiragem. Em 1924, Fontoura passa a oferecer como brinde, na compra de cada vidro do Biotônico, um exemplar do livreto de Lobato, Jeca Tatuzinho. A obra, ilustrada, conta a história de um Jeca magro, doente, preguiçoso, mal nutrido. Na passagem de um médico de roça por seu rancho, o caipira fica sabendo que estava na verdade doente, com amarelão. O médico recomenda-lhe o remédio para a doença e de reforço o Biotônico para abrir-lhe o apetite, além de recomendar botinas ringedeiras para proteção dos pés. O Jeca logo se torna um verdadeiro touro, chega a agarrar uma onça pelos bigodes, manda por botinas até em porcos e galinhas. Ao opor-se ao caipira do estereótipo, o Biotônico serviu, entre nós, para difundir a ideologia da modernidade urbana. O livrinho de Lobato teve a edição de mais de 100 milhões de exemplares. O sucesso do fortificante fez a fortuna de Cândido Fontoura. Mas conta a lenda que um dos fatores dessa fortuna foi também o fato de que ele teria começado a exportar seu remédio para os Estados Unidos, onde vigorava a Lei Seca. O Biotônico tinha originalmente 9,5% de álcool etílico, o que o tornava um inocente aperitivo. Vendido em farmácia, na América puritana, podia ser comprado como artigo medicinal, sendo, portanto, bebida não pecaminosa. Algo parecido acontecera com a Coca-cola, uma bebida estimulante, do século 19, originalmente vendida em farmácia.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.