Novo nome no crachá. E uma vida modificada

Servidores municipais transexuais ganham o direito de usar nome social no trabalho

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Por Vitor Hugo Brandalise
Atualização:

Vitória.

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Takeo mostra crachá com nova identidade: ‘Foi um alívio deixar de ser reconhecido pela forma que nem eu reconhecia’

 

  O primeiro nome. Uma palavra, às vezes duas. Pode causar dor? "Pode constranger, meu amigo, machucar", responde o bem-alinhado homem oriental, funcionário da Secretaria Municipal de Participação e Parceria, responsável por projetos especiais na Coordenadoria do Idoso. "Pode causar atrito, desconforto, especialmente quando dito em público", completa, sabedor da causa, este funcionário, que se identifica como Takeo - quando, na verdade, foi batizado Regina.

No registro civil, o transexual (nascido mulher, mas com identidade de gênero masculino) continua a ter nome de mulher. Para a Prefeitura, porém, em todos os atos sob sua responsabilidade, em todos os registros, formulários, no crachá da Secretaria e até no endereço de e-mail, o que vale agora é o "nome social", definido unicamente por ele. E o nome que escolheu é Takeo, homenagem orgulhosa à ascendência oriental.

Takeo Genda, de 47 anos, que trabalha na Prefeitura desde 1983, foi o primeiro funcionário público transexual da cidade a conseguir o direito de ser tratado pelo nome social, "em todos seus serviços", conforme prevê o decreto que trata da causa - o 51.180, de 14 de janeiro de 2010. "Na manhã que saiu, imediatamente pedi um novo crachá", conta. "E foi um alívio deixar de ser reconhecido no trabalho por uma forma que eu mesmo não reconhecia. É uma vitória, num campo que está se abrindo."

Como Takeo, há outros - não muitos, mas há. "Não há levantamento, mas sabemos que não é um número alto, talvez uma ou duas dezenas de travestis e transexuais na Prefeitura", diz o assessor jurídico da Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual (Cads) da Prefeitura, Gustavo Menezes. "Pretendemos fazer uma contagem no governo do Estado, para definir a divulgação dos direitos", comenta o coordenador de políticas para a Diversidade Sexual do governo estadual, Dimitri Sales. Em março, o governo aprovou decreto semelhante (55.588, de 17 de março de 2010).

A professora. Do último decreto, quem se beneficia é Cacá dos Santos, exigente professora de inglês e português da Escola Estadual Caetano de Campos, no centro de São Paulo. Desde 2002, a professora Cacá - nome de batismo, Paulo - fica à frente de 300 alunos, de idades entre 11 e 17 anos. Não costuma divulgar que é transexual. "Eles percebem. E tento passar a mensagem com conselhos de respeito à diversidade", afirma. "Acho que consigo, já que nunca tive problemas em aula."

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Na sala de aula, aliás, a professora Cacá é "respeitadora" e "brincalhona", mas, vez por outra, pode ficar "brava" - todos adjetivos femininos, ditos por seus alunos, de 11 e 12 anos. "Nunca me chamaram de "professor". E, pelas minhas maneiras, nem vão chamar", diz a vaidosa professora, maquiada com sombra azul, unhas pintadas de verde-água e cabelos louros tingidos no dia anterior. "Vaidosa como toda mulher, né?"

Cacá afirma não ter tido tempo ainda para fazer valer seu nome social - mas já tem planos para quando isso acontecer. "Vou começar o processo nas férias de julho. Assim, poderei me candidatar à direção da escola", planeja. "Já fui cotada para a vice direção, mas o conselho vetou, julgando que haveria problemas para assinar documentos, que teriam nome masculino. Pelo visto, isso não é mais problema."

Numa repartição pública próxima, no Edifício Andraus, centro de São Paulo, outro funcionário transexual comenta problema semelhante. "De repente, um servidor procura a Ana, como foi orientado a procurar. Quando vê, ela é um marmanjo. E aí, como fica?", questiona o homem, 1,70 metro, camisa social azul, barbicha e bigode por fazer. É Andreas Maurice Boschetti, do setor de Recursos Humanos da Secretaria Municipal de Finanças - batizado Ana, 39 anos atrás.

"Isso acontecia até janeiro, quando consegui mudar os documentos que assino", conta Andreas, que recebe mensalmente em sua mesa 500 outros servidores. "Nem imaginam minha condição. E certamente não têm ideia do quanto o nome é importante para nós. Se você mesmo não o reconhece, é dolorido só de ouvir."

Bilhete único. O novo decreto municipal também dá a transexuais e travestis o direito de retirar bilhete único com o nome social. Em fevereiro, a professora Carla Machado, de 38 anos, foi a primeira mulher transexual (nasceu homem, mas se vê como mulher) a conseguir o direito. Não sem esforço. "O gerente de um posto do Metrô Marechal Deodoro simplesmente se recusou a aceitar a legislação", conta Carla. "Tive de ir a outro posto, no Shopping Light, para conseguir. E abri processo contra o Metrô."

Para Dimitri Sales, coordenador da Diversidade Sexual do Estado, o uso de nome social em órgãos administrativos ajuda a aplacar problemas de autoestima. "A insegurança dá força para a discriminação."

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