Nos arredores das universidades, flanelinhas têm ponto fixo

Guardadores cobram de R$ 2 por dia até R$ 80 mensais

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Por Diego Cardoso e Breno Lemos Pires
Atualização:

SÃO PAULO - Ao deixar o carro nos arredores do câmpus da PUC-SP em Perdizes, ou na sede da Faap, em Higienópolis, alunos e professores sabem que a rua tem um preço. E cada uma das vias tem pelo menos um responsável, o flanelinha, que pode cobrar a partir de R$ 2 por dia até R$ 80 mensais para olhar o veículo.

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A reportagem do Estado negociou uma vaga de carro por uma "mensalidade" de R$ 60 na Rua Monte Alegre, em frente à entrada da PUC-SP. Estudantes relatam casos de veículos riscados e danificados quando alguém decide não pagar. Há também guardadores mais amistosos, que até são presenteados por estudantes e professores com roupas e alimentos.

A reportagem procurou alunos da PUC-SP, que apontaram os principais locais com flanelinhas nos arredores. Veja no mapa abaixo:

 

Reajuste. A estudante de Letras Mônica Cavalcante paga, contrariada, uma mensalidade para que um flanelinha guarde uma vaga na rua. No dia em que foi procurada pela reportagem do Estado, o valor foi reajustado pelos guardadores da região. "Pago R$ 40 e agora ele pediu R$ 50 reais. Você acaba entrando no sistema porque, se não, outras pessoas pegam a vaga."

O responsável pelo carro de Mônica trabalha nos arredores da PUC desde 1986, de manhã até a noite, sua única receita para criar cinco filhos. Embora se esforce para regularizar seu trabalho - ele paga R$ 74 todo mês para ter uma aposentadoria pelo INSS -, o guardador gostaria de ter um emprego formal. "Seria um sonho ter um contrato para trabalhar com isso, recebendo salário certinho." Ouça entrevista: http://blogs.estadao.com.br/transito/files/2013/04/flanelinha-pucsp.mp3

As taxas cobradas pelos guardadores de vaga afetam até os vendedores ambulantes da região. Um comerciante que não quis se identificar disse pagar R$ 100 mensais para garantir um espaço na Rua Ministro Godói. "Se eu pudesse reclamar, reclamava, mas também estou irregular", disse. "Eu preciso trabalhar, então eu pago."

Alguns alunos que deixam o carro na rua acabam ajudando os flanelinhas. Para Maria Lúcia Cardoso de Almeida, estudante de Direito, trata-se de uma forma de distribuição de renda. "Eu prefiro contribuir com R$ 2 e ter uma pessoa que está ganhando algo. É desconfortável, mas tem de ser aceitável." Dois dias antes, no entanto, ela havia se recusado a aceitar o reajuste pedido pelo guardador de seu carro. "Ele disse então que eu não precisaria pagar nada. Mas que ele não poderia fazer nada. Fico insegura."

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No vídeo abaixo, Maria Lúcia de Almeida relata o "reajuste de preço" que um flanelinha propôs:

Outros estudantes não têm a mesma tolerância de Maria Lúcia. Gabriella Bianchini também faz Direito na PUC e diz que já sofreu ameaça de ter o carro riscado caso não pagasse a "taxa". "Eles fecham as vagas com cones e caixotes. Cobram mensalidade e, quando você vai pagar a eles e não tem muito, eles dizem: 'depois você completa'. Como assim depois eu completo? A rua não é dele."

Firmeza. Nas ruas perto da Faap, pagar pelos serviços de um flanelinha é uma opção barata, já que alguns estacionamentos nos arredores chegam a cobrar R$ 300 por mês. Na Rua Engenheiro Edgar Egídio de Sousa, perto da Praça Charles Miller, é possível deixar o carro estacionado em uma das vagas vigiadas por uma guardadora a partir de R$ 80. "Mas, se não quiser pagar, não tem problema. A rua não é da gente, ela é livre", disse ela, que "vigia" mais de 80 carros por dia junto com o marido. "Eu nunca fiz o balanço de quanto tiro por mês, mas dá pra garantir o almoço, o jantar e o cafezinho da manhã."

A guardadora mora em Itapevi, mas dorme em uma loja abandonada do lado da Rua Engenheiro Edgar para poupar a viagem. Em meia hora de conversa, três clientes dela deixaram o carro por lá, deixando um "oi" simpático para a flanelinha que trabalha há seis anos na região. "Pode perguntar pra todo mundo lá na Faap que eu sou firmeza. Meu alvará está escrito na minha testa."

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Ouça o depoimento da flanelinha sobre seu trabalho: http://blogs.estadao.com.br/transito/files/2013/04/flanela-faap.mp3

O motorista particular João Carlos Bento deixa o carro na Rua Engenheiro Edgar desde janeiro. Ele não paga mensalidade - "a gente come uns pastéis na feira e toma um suco de vez em quando" -, mas confia no trabalho da flanelinha. "Se dá pra dar um dinheiro pra ela, tudo bem. Se não, ela agradece do mesmo jeito. Eu paro o carro, saio e sei que ela está olhando."

Ouça o depoimento de João Carlos Bento sobre os flanelinhas nos arredores da Faap: http://blogs.estadao.com.br/transito/files/2013/04/João-Carlos-Bento.mp3

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Universidades. Em nota, a assessoria de imprensa da Faap diz que repudia a atuação dos guardadores de carros nas imediações da fundação, mas que "infelizmente não tem como banir a presença deles na região". A nota também menciona que a faculdade, "por se sentir responsável pela segurança - dentro do seu ambiente interno e entorno - dos seus colaboradores, corpo docente e discente, conta com um moderno sistema de segurança, dotado de 328 câmeras de monitoramento, detectores de metais, 23 catracas de acesso e 80 vigilantes 'rondantes' que se revezam entre os períodos da manhã e da noite".

A reitoria da PUC-SP informa que busca o diálogo com os órgãos públicos para "sugerir soluções sobre temas de segurança, combate à desordem urbana e preservação do sossego nas suas proximidades". Em nota, afirma que promoveu, desde janeiro, encontros com autoridades e instituições, como o novo subprefeito da Lapa, os Conselhos Comunitários de Segurança (Conseg) de Perdizes e da Lapa, a Guarda Civil Metropolitana e a Polícia Militar. "A discussão sobre o entorno destes locais deveria ser preocupação de todos aqueles que utilizam o espaço público."

 

 

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