'Não tenho mais sangue para sangrar, nem lágrimas para chorar"

Pai de Mariana, vítima da tragédia da TAM, desabafa sobre o descaso das instituições

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Por Felipe Machado
Atualização:

O médico Maurício Pereira, pai de Mariana, 22 anos, vítima do desastre do vôo 3054 da TAM, mostrou-se nesta sexta-feira chocado com o fato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva só se pronunciar sobre as quase 200 mortes do acidente mais de 72 horas depois da tragédia. "Eu tenho que receber condolências em primeiro lugar do presidente da Argentina para só depois o presidente do meu País, depois de quase 24 horas, decretar luto e depois de 72 horas vir à televisão dizer que o coração dele está sangrando. A gente já está sem sangue para sangrar, sem lágrimas para chorar", diz Pereira, que está hospedado no hotel Blue Tree Towers da avenida Faria Lima, em São Paulo. Ouça a entrevista de Maurício Pereira Lista de vítimas do acidente do vôo 3054  O local do acidente  Quem são as vítimas do vôo 3054  Histórias das vítimas do acidente da TAM  Galeria de fotos  Opine: o que deve ser feito com Congonhas?  Cronologia da crise aérea  Acidentes em Congonhas  Vídeos do acidente  Tudo sobre o acidente do vôo 3054 Em entrevista por telefone ao estadao.com.br, Pereira se mostrou indignado com a demora da TAM em notificar os familiares das vítimas, mesmo alegando que precisava avisá-los antes de divulgar a lista de passageiros. "A TAM disse que precisava primeiro comunicar as famílias e eu acabei sabendo da confirmação através das notícias da internet. Em hora nenhuma eu tive uma ligação da TAM em especial para me dizer a situação do vôo e da minha filha. Foi uma angústia de mais de 72 horas", lembrou ele, que coordena uma clínica médica em Sergipe. Pereira fala com dor da filha, que acabara de cursar o primeiro semestre de medicina na Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, uma das melhores do país. "Ela estava passando os primeiros seis meses na faculdade, estava muito feliz. Ela pegou esse vôo para encontrar a mãe, que mora em São Paulo, e começar suas férias". Mariana fazia cinco meses que não via os familiares. Indignado, o médico comenta as últimas notícias divulgadas na imprensa, de que o Airbus A-320 da Tam estava com o reverso direito travado devido a um defeito apresentado durante vôo na sexta-feira anterior à tragédia. "O que mais nos deixa indignado é que as notícias vão se acumulando, você vai percebendo que o avião tinha falhas, um tempo atrás o piloto teve que parar o mesmo avião... era uma tragédia anunciada. Isso foi acontecendo até culminar com a cena grotesca de um representante do nosso governo", afirma ele, em referência ao gesto obsceno do assessor de Lula, Marco Aurélio Garcia, após a divulgação do problema no reverso da turbina. Angústia Pereira reclama também da atenção dada pela companhia aérea em relação aos familiares das vítimas: "Eu tive que esperar 72 horas para voltar a ver um crachá da TAM, que foi a companhia que tinha o compromisso de trazer minha filha de Porto Alegre para São Paulo. Eles deixaram um pessoal de baixo escalão dividindo a angústia com a gente. A TAM deu uma enormidade de trabalho para os bombeiros de São Paulo, que como sempre se portaram como heróis, deram trabalho para meus colegas do IML, de juntar os pedacinhos dos nossos entes queridos". O médico sofre ao pensar no futuro da filha que perdeu e no descaso das instituições com o incidente. "Será que aquilo que sobrou da minha menina, da minha futura grande médica, eu vou ter que acompanhar com narizinho de palhaço? Virei um idiota, é? As instituições não funcionam, as pessoas não são respeitadas", desabafa.

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