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Mulher está presa a 69 dias por ter roubado R$ 74,80 em roupas

Liberdade provisória foi negadada duas vezes; juiz argumenta que ela deve ficar presa pois tem 'surto psicótico'

Por Rodrigo Pereira
Atualização:

Há 69 dias a dona de casa Sandra dos Reis Alves, de 27 anos, está detida na Penitenciária de Franco da Rocha pelo furto de roupas, no valor de R$ 74,80, em um hipermercado de São Paulo. Casada, mãe de três filhos e sem antecedentes criminais, Sandra teve o pedido de liberdade provisória negado duas vezes pelo juiz Airton Vieira, titular da 4ª Vara Criminal do Fórum da Barra Funda.   No primeiro recurso, o magistrado ignorou manifestação favorável à liberdade feita pelo Ministério Público, que também pediu a suspensão condicional do processo. Depois, usou um surto psicótico sofrido por ela em Franco da Rocha como argumento para nova negativa. "Parece de bom alvitre que, ainda em caráter excepcional, permaneça ela internada no hospital público, onde, pelo que se constata, vem recebendo excelente tratamento médico, adequado à sua situação, o qual, eventualmente interrompido, com a sua liberdade provisória, poderia levar ao agravamento do seu estado psiquiátrico", diz o juiz.   O marido da acusada, Sidney Lopes, admite que Sandra "já esboçou alguns problemas", como ter tentado abortar duas vezes e usado medicamento sem prescrição médica. "Mas nada parecido com o que aconteceu lá. Pelo que me falaram, foi a maneira como a trataram que atrapalhou seu raciocínio mental."   O defensor público Fernando Vernice dos Anjos, que representa Sandra, entrou com recurso no Tribunal de Justiça e no Superior Tribunal de Justiça. O TJ manteve a decisão de Vieira, e o STJ ainda não o julgou. "A prisão processual está claramente sendo desproporcional. Ela está cumprindo uma pena que não será aplicada", protestou Anjos.   A preocupação maior do defensor é em relação à audiência de Sandra, dia 30, quando a proposta de suspensão do processo do MP seria concretizada. Ele teme que falte escolta para levá-la ao Fórum da Barra Funda, ou que se alegue falta de condições de saúde e a audiência tenha que ser remarcada.   "Isso é um absurdo, é uma violência aos direitos humanos. É fruto da chamada ‘juizite’, de magistrados que se acham acima do bem e do mal, verdadeiros deuses. Ignoram o MP, atropelam a lei e ameaçam famílias, o Estado Democrático de Direito", reagiu o advogado Antonio Everton, das Comissões de Direitos Humanos e de Política Criminal e Penitenciária da OAB-SP. Everton disse que casos como o de Sandra têm o processo anulado ou é aplicada pena restritiva - na qual o acusado cumpre formalidades, como comparecer todo mês no juízo.   O presidente da Associação Paulista dos Magistrados (Apamagis), Henrique Nelson Calandra, defende a posição de Vieira. "Isso não é juizite coisa nenhuma. Nós não soltamos o réu porque não queremos, mas porque a lei determina. Se não cumprisse sua função de decidir é que o juiz estaria cometendo um crime."

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