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Muito além do almoço grátis, uma nova vida na Casa do Zezinho

‘Zezinhos’ relatam como encontraram nas atividades da ONG do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, os caminhos para o futuro

Por Edison Veiga
Atualização:
'Não consigo nem sequer imaginar como seria minha vida se não fosse a Casa do Zezinho', diz a estudante de RP Juliane Silva Souza Foto: Alex Silva/Estadão

SÃO PAULO - “Não consigo nem sequer imaginar como seria minha vida se não fosse a Casa do Zezinho. Todas as oportunidades boas que tive são consequência do que passei lá dentro.” A frase foi dita pela estudante de Relações Públicas Juliane Silva Souza, de 23 anos, estagiária do banco francês Société Générale. Mas é corroborada por boa parte dos 20 mil e tantos “zezinhos”, como são chamados carinhosamente os que passaram pela ONG do Capão Redondo, bairro pobre da zona sul de São Paulo.

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Juliane ingressou nas atividades da casa quando tinha 9 anos. “Vizinhos já participavam e eu fiquei com vontade de entrar também. Lembro que era muito difícil aparecer vaga, era muito disputado. Então um dia minha mãe conseguiu para mim e minhas três irmãs”, conta ela. “Lembro até a data: 28 de fevereiro.” Suas irmãs são Viviane, quatro anos mais velha, vendedora; Ana Paula, três anos mais nova, estudante de Nutrição; e Tayna, de 14 anos, estudante.

Dentro da ONG, Juliane fez aulas de tudo. Aprendeu música, participou de oficinas de artes. “Quando atingi uma certa idade, comecei a ser incentivada a fazer cursos profissionalizantes que a casa oferece. Webdesign, eu aprendi lá. Design gráfico também. Aprendi a mexer com estúdio de som... Tive aulas de informática, teatro – participei até de dois espetáculos da casa – e passei por sessões de coaching”, enumera ela. “Não tem como não se apaixonar pela casa.”

Quando tinha 15 anos, Juliane e outros quatro amigos receberam apoio para montar uma startup. Em uma sala emprestada pela própria ONG, funcionou por três anos um projeto que eles desenvolveram: uma estamparia de camisetas que operava em modelo de comércio eletrônico, com loja online. “Tivemos todas as orientações para abrir uma empresa e desenvolver nosso projeto”, conta. “Aprendi muito no processo.”

Filha de um cozinheiro e uma diarista, ela relata que sempre contou com apoio da família em todos os projetos. Mas a Casa do Zezinho tinha um papel de organizar seus sonhos e, ao mesmo tempo, orientá-la para os desafios da vida. “Até aulas sobre sexualidade tínhamos. Não havia assunto tabu”, recorda.

A crise que desde o ano passado dificulta a manutenção das atividades da instituição não atingiu diretamente Juliane. “Um dia minha mãe contou que sua patroa tinha ouvido dizer que a Casa do Zezinho ia fechar. Ficamos atônitas.” Mas os cortes de alunos afetaram sua irmã Tayna, que até o ano passado ainda frequentava a casa.

"Nosso medo é que eles cheguem ao ponto de ter de fechar as portas. Minha irmã tem uma família estruturada, o apoio da família. Mas e outras crianças que dependem da casa para tudo? Como vão ficar? Não quero nem pensar”, reflete ela.

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Zezinhos. Oitenta dos 101 funcionários que atuam na Casa do Zezinho são “ex-zezinhos”. Michael Douglas Santos de Jesus, de 22 anos, nascido e criado no Capão Redondo, entrou para a ONG aos 14 anos. “No começo, só queria bagunça”, admite. Com o tempo, passou a se interessar por comunicação: oficinas de design, preparação de layouts, ilustrações. “Aos 16, me convidaram para trabalhar na Comunicação da casa”, diz ele, que se graduou em Design Digital e hoje é responsável pelas redes sociais da instituição.

Nilson Rafaelle Teixeira da Cruz, de 30 anos, lembra que foi motivado por amigos a procurar a Casa do Zezinho, 22 anos atrás. “Ele diziam: vamos para lá, tem comida”, conta. “Mais do que comida, também encontrei brincadeira e diversão.” Graduado em Logística, chegou a trabalhar em três empresas antes de voltar à Casa. É o coordenador de Logística e Operações da ONG – onde também dá aulas de jiu-jítsu.

Dezesseis dos 23 anos de Isabella Xavier foram passados na Casa do Zezinho. “Eu não tinha nem RG quando minha mãe me deixou aqui dizendo: ‘fica que tem almoço’”, lembra. 

Aos 12 anos, a mãe morreu e o pai entregou-se ao alcoolismo. Mais velha de duas irmãs – uma de 11, outra de 8 – ela viu em atividades da casa o verdadeiro novo arrimo da família. “Envolvi-me cada vez mais com os projetos e identifiquei minha aptidão para a área ambiental”, conta. Formou-se em Ciências Biológicas, fez pós-graduação em Oceanografia e hoje é educadora de integração ambiental da ONG. Suas irmãs também trabalham ali.

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