
14 de março de 2011 | 00h00
As rótulas foram os últimos instrumentos de controle social de velho estilo, do tempo em que supostamente os homens mandavam e as mulheres obedeciam. Na verdade, a tradição paulista e brasileira era muito mais matriarcal do que patriarcal. Nos séculos 17 e 18, época em que os homens se demoravam em bandeiras de caça ao índio ou de busca de ouro e pedras preciosas, eram as matriarcas, não raro viúvas de maridos flechados pelos índios no sertão, as guardiãs inflexíveis dos recursos de dominação e proteção da honra. As mulheres se protegiam, faziam da casa o poderoso e inviolável reduto do seu matriarcado e dos seus valores autodefensivos. Coisa dos antigos.
Confronto. É num registro de Antonio Egídio Martins que se percebe que, no longínquo 1775, o autoritário capitão-general Martim Lopes Lobo de Saldanha, governador da capitania de São Paulo, quis atacar essa fortaleza. Procedera contra o que definia como bárbaro costume das mulheres paulistas, o de andarem rebuçadas de pano preto, a cara tapada por quase um metro de tecido, a cabeça ainda recoberta por um chapéu desabado. Mal chegado a São Paulo, para os sete longos anos de sua tirania, comunicou ao ministro do rei dom José I que proibira o inculto costume. Aliás, proibido desde 1649, proibição a que as paulistas haviam resistido por 125 anos. Alegava o governador que elas se aproveitavam desse recurso para entrar "até mesmo de dia em casas de homens". Numa sociedade puritana como aquela, difamava as mulheres e até preconizava multa e prisão para as que insistissem nesse item do vestuário.
Martim Lobo era prepotente. Certa vez, mandou prender o escravo que o servia à mesa num jantar que, no Mosteiro, lhe fora oferecido pelos monges de São Bento. Também embirrou com o bispo, Frei Manuel da Ressurreição. Ainda que contrariados, todos acabavam cedendo. Ele representava o rei. Só as mulheres de São Paulo não cederam. Um seu sucessor, Franca e Horta, em 1810, teve de proibir de novo o uso do rebuço. Mesmo assim, elas o substituíram pela mantilha espanhola, de renda preta, o que agregou sensualidade à ocultação do rosto. O mulherio de São Paulo mostrou aos mandões a cara que o poder não via.
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