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Morre o professor da USP Fernando Albuquerque Mourão

Professor Titular da USP desde 1971, quando começou a lecionar no Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), ajudou a criar o Centro de Estudos Africanos (CEA) em 1965

Por José Maria Mayrink
Atualização:

Morreu ontem, no Hospital Universitário (HU), na Cidade Universitária, o professor da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Augusto Albuquerque Mourão, um dos maiores pesquisadores e estudiosos da questão africana. Ele tinha 83 anos, estava internado havia 15 dias e sofreu falência múltipla de órgãos. O velório começará hoje às 19 horas, no Cemitério Memorial da Paz, em Vargem Grande Paulista, onde ocorrerá também o enterro, amanhã, às 16 horas.

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Foi em Coimbra (Portugal), que o professor Mourão, nascido no Rio de Janeiro em 1934, começou a se interessar pela área, especialmente por Angola, principal segmento de atuação intelectual e política em sua vida acadêmica. Professor Titular da USP desde 1971, quando começou a lecionar no Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), ajudou a criar o Centro de Estudos Africanos (CEA) em 1965.

Os estudos e pesquisas sobre a África foram impulsionados a partir de 1967, quando a premência da atualidade política se impunha pela vivência de acadêmicos brasileiros nos movimentos de independência e do nacionalismo africano. Mourão, que na Universidade de Coimbra teve como companheiros futuros líderes da luta pela independência, entre os quais Amílcar Cabral, de Guiné Bissau, e os angolanos Agostinho Neto e Mário Pinto de Andrade, compartilhou de seus sonhos, embora não aderisse aos ideais marxistas, que os três professavam.

Os estrangeiros eram segregados na Casa dos Estudantes do Império pela ditadura de Antônio de Oliveira Salazar. Muitos deles foram interrogados e torturados pela PIDE, a polícia política portuguesa. Mourão e outro brasileiro, José Maria Nunes Pereira, regressaram apressadamente ao Brasil, pouco antes do golpe militar de 1964. Engajaram-se então em movimentos políticos de apoio à independência de países africanos, com conexões com o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que assumiria o governo sob a presidência de Mário Pinto Rodrigues.

Como colaborador de O Estado de S. Paulo, o também jornalista Fernando Mourão escreveu artigos que difundiam o ideal do nacionalismo africano das lutas de independência das colônias portuguesas na África. Trabalhou ao lado de Miguel Urbano Rodrigues, membro do Partido Comunista Português, de outros exilados anti-salazaristas, que haviam sido abrigados pelo diretor do jornal, Julio de Mesquita Filho.

Integrado na USP como doutorando e professor assistente, em 1967, Mourão contribuiu para dinamizar o CEA e para consolidar a linha de pesquisa dos estudos africanos com uma inovação – a introdução de uma nova disciplina, chamada Relações Internacionais. Discutia-se a realidade das sociedade africanas no contexto de suas conexões internacionais. No Rio, o professor José Maria Nunes Pereira, colega de Mourão em Coimbra, liderou em 1978 a criação do Centro de Estudos Afro-Asiáticos, na Universidade Cândido Mendes.

Fernando Mourão saía a campo para conhecer de perto a vida das pessoas e complementar seus estudos com exemplos reais. Foi o que fez, por exemplo, no litoral de São Paulo e do Paraná, ao estudar o comportamento de pescadores que abandonaram essa profissão para trabalhar como operários. Em entrevista a Ricardo Alexino, no programa 'Trajetória', da TV USP, em 2015, Mourão disse que essa pesquisa não tinha motivação ideológica, mas somente acadêmica.

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A revista 'África', do Centro de Estudos Acadêmicos, fez um número especial em 2012, com o título 'África Única e Plural', em homenagem a Fernando Mourão. Em uma edição de 300 páginas, 27 amigos e alunos escreveram artigos e deram depoimentos sobre a carreira e a personalidade do professor. “Os que participam desta homenagem sabem, sem exagero, que Fernando Mourão é um dos raros intelectuais brasileiros com o coração dividido entre o Brasil e a África, sem deixar de estar atento à ordem mundial e aos problemas da humanidade como um todo”, escreveu na apresentação o diretor do número especial da revista, Kabengele Munanga.

Tempos recentes. Mourão defendeu a adoção de uma política solidária do Brasil em suas relações com a África. Reconheceu mudanças na diplomacia brasileira desde o governo de Jânio Quadros, em 1961, em uma linha anti-imperialista que foi mantida durante o regime militar e reforçada no governo Lula. Sem nunca ter tido militância partidária, o professor da USP tornou-se colaborador do Instituto Lula, em abril de 2012, para dar assessoria em questões voltadas para a África.

Autor de 11 livros e participação em outros 57, Mourão recebeu prêmios internacionais em Angola, Costa do Marfim, Togo, Senegal e França, conforme informações constantes de seu currículo, publicado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A morte foi lamentada ontem por colegas da Universidade de São Paulo e da Universidade Independente de Angola. /COLABORARAM ANA PAULA NIEDERAUER e JULIANA DIÓGENES

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