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Monumentos à Independência: irmãos repetem restauros feitos pelo pai há 40 anos; veja quais

Marcelo e Toninho Sarasá lideram restauração das construções históricas do entorno da Estrada Velha de Santos, nos Caminhos do Mar

Foto do author Priscila Mengue
Por Priscila Mengue
Atualização:

Dois irmãos lideram os trabalhos de restauro dos monumentos centenários dos Caminhos do Mar, erguidos em celebração à Independência do Brasil no entorno da Estrada Velha de Santos. São eles Marcelo e Toninho Sarasá, filhos de Gerardo Martin Sarasá, restaurador espanhol que recuperou as mesmas construções há cerca de quatro décadas, conhecido especialmente pela expertise em azulejaria e vitrais.

À esquerda, Marcelo e Toninho Sarasá no Rancho da Maturidade, há cerca de 40 anos; à direita, o pai dos meninos, Gerardo Sarasá, durante os trabalhos de restauro Foto: Arquivo pessoal de Marcelo Sarasá

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“Lembro de mim, sentadinho no banco, vendo ele trabalhar”, conta o arquiteto Marcelo Sarasá, hoje com 49 anos. “Não só estou recuperando a história desse momento, como a história da minha família também.”

Algumas das relíquias guardadas após a morte do pai foram levadas para a realização dos trabalhos. “Fiz questão de utilizar os mesmos pincéis”, relata Marcelo. Ele também tem aplicado a mesma técnica e optou por manter a aplicação de tintas a base de minerais. “É emocionante. Lembro perfeitamente dele restaurando azulejo por azulejo.” 

O arquiteto guarda fotografias dele e do irmão em frente aos monumentos, assim como do pai, hoje falecido, durante os trabalhos. E conta um segredo: “Meu irmão pode dar umas pinceladas na época. Perfeitamente, vejo quais foram pinceladas dele nesse painel.”

Pouso e rancho serão transformados em espaços de gastronomia portuguesa; entenda história dos monumentos

Irmãos lideram restauro de obras recuperadas pelo pai há cerca de 40 anos Foto: Taba Benedicto/Estadão - 20/07/2022

Os trabalhos de restauro incluem também as construções celebrativas do centenário da Independência, de 1922, erguidas junto à Estrada Velha de Santos. A maioria das construções está localizada dentro dos Caminhos do Mar e, assim como a Calçada do Lorena, é tombada na esfera estadual.

Os sete monumentos foram projetados pelo arquiteto franco-argentino Victor Dubugras (o mesmo do Largo da Memória, no centro de São Paulo), com murais em azulejo do artista José Wasth Rodrigues. A restauração completa custará R$ 4,25 milhões, segundo a Parquetur, concessionária responsável pelo trecho do parque (parte do Estadual Serra do Mar), e abrange também a Calçada do Lorena e as ruínas do que teria sido o alojamento de trabalhadores das obras do centenário.

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Rancho da Maioridade é um dos monumentos em processo de restauro nosCaminhos do Mar Foto: Taba Benedicto/Estadão - 20/07/2022

Entre os monumentos, dois também são edificações e pensados originalmente como pontos de apoio aos viajantes. Ambos estão em processo de adaptação para espaços de gastronomia portuguesa. O primeiro a ser entregue será o Pouso de Paranapiacaba, em fase final de obra, com começo de operação previsto para os próximos meses, temporariamente como cafeteria e, depois, como restaurante. Já o Rancho de Maioridade, cuja restauração está em preparo, será um café.

Outro que terá novo uso é o que restou do antigo alojamento. O projeto prevê que as ruínas sejam transformadas em uma loja de suvenir e no ponto final de uma tirolesa. Para tanto, passarão por um processo de estagnação da deterioração, enquanto o que não resistiu das paredes e do teto dará lugar a um esqueleto metálico e de vidro. A escolha dos materiais teve o objetivo de deixar evidente o contraste entre o original e o novo.

Em comum, a maioria dos monumentos tem o uso amplo de granito e revestimentos com azulejos na fachada e nas áreas internas. Há também a presença de murais narrativos da história predominante à época do desenvolvimento da região, da chegada dos portugueses e jesuítas até o fluxo de tropeiros pela Calçada do Lorena.

Pouso de Paranapiacaba está em fase final de restauro Foto: Taba Benedicto/Estadão - 20/07/2022

Para o restauro, são utilizados desde pequenos pincéis e bisturis, para procedimentos mais delicados, até câmeras térmicas, para identificar patologias, como infiltrações e outros problemas. A estrutura necessária também varia. No caso do Rancho da Maioridade, por exemplo, pela altura da construção e as dimensões em curva, optou-se por andaimes multidimensionais, que podem circundar a fachada e permitem a proximidade necessária para recuperar os azulejos in loco.

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Por enquanto, foram entregues o Pontilhão Raiz da Serra (junto à portaria de Cubatão), o Cruzeiro Quinhentista (localizado fora do parque), o Monumento ao Pico e o Belvedere Circular. Estão em processo para o início dos trabalhos de recuperação o Rancho da Maioridade, as ruínas e o Padrão do Lorena. Por fim, o “restaurômetro” avalia como 83% e 10% prontos, respectivamente, o Pouso de Paranapiacaba e a Calçada do Lorena.

Das obras, a descrita como a mais “trabalhosa” pelo engenheiro Francisco Damião do Nascimento, que coordena a produção, é a do Pouso de Paranapiacaba, em que cerca de 60% da madeira do telhado estava comprometida e teve de ser substituída, por exemplo. “Estava colapsado em alguns lugares”, comenta. Ele pontua que a escolha dos materiais, como o granito, tornou partes das construções “resistentes às intempéries”.

Projeto prevê esqueleto de metal e vidro nas ruínas dos Caminhos do Mar Foto: Taba Benedicto/Estadão - 20/07/2022

O projeto também envolve adaptações à legislação e às necessidades atuais. Entre elas, está a instalação de guarda-corpos em parte das varandas e a implantação de rampas, plataformas para acessibilidade e banheiros adaptados. 

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Também se decidiu manter parte das marcas deixadas ao longo do tempo nos espaços. No Pontilhão, após o restauro, por exemplo, a placa em bronze segue com as marcas feitas por passantes e o tom esverdeado deixado pelo processo de oxidação do material.

Maioria dos azulejos do salão principal do Pouso de Paranapiacaba foi retirada para restauro em estúdio Foto: Taba Benedicto/Estadão - 20/07/2022

Já, no Pouso, os azulejos de temas agrícolas do salão principal foram quase inteiramente retirados para o restauro em um estúdio, enquanto algumas peças em melhores condições foram mantidas no local,como "testemunhos". Há a ideia de que o painel seja exposto em outra parte do parque quando recuperado.

Professor na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), o arquiteto e historiador Alex Miyoshi explica que os monumentos estão alinhados ao neocolonialismo, chamado à época de "arquitetura brasileira". "Revalorizou a cultura luso-brasileira no início do século 20, reinterpretando elementos do barroco, tais como os característicos pináculos e volutas", comenta.

Segundo ele, os monumentos reúnem elementos de outros estilos, como o art nouveau, e uma exuberância de formas, cores, volumes e materiais". "Victor Dubugras, um dos grandes nomes da arquitetura brasileira, que ressente ainda de ser mais conhecido."

Pouso de Paranapiacaba será transformado em restaurante de culinária portuguesa Foto: Taba Benedicto/Estadão - 20/07/2022

 

Caminhos do Mar terão programação temática da Independência do Brasil

O trecho do parque segue aberto para visitação autoguiada durante o restauro, com restrição de acesso no interior das edificações históricas. O funcionamento é de quarta-feira a domingo, das 8h às 17h. A entrada custa R$ 40, à venda no local e no site caminhosdomar.com.br. As portarias ficam na Rodovia SP 148, nos quilômetros 42 (São Bernardo do Campo, com estacionamento pago) e 50 (Cubatão). São oferecidos outros serviços, como transporte por van.

A gestão é da Parquetur, também responsável pelo Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, desde junho de 2021 e com contrato de concessão por 30 anos, o qual prevê uma série de obrigações, como os restauros. Outra novidade recente foi a implantação de uma trilha até a Cachoeira da Torre, com cerca de 9 quilômetros de extensão (ida e volta).

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Para meados de agosto e setembro, é prevista uma programação temática do Bicentenário da Independência, voltada especialmente às famílias. “Temos o compromisso que entregar os nove monumentos restaurados até março do ano que vem”, garante Carlos Telecki, gestor dos Caminhos do Mar.

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