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‘Minha família é rica. Estou aqui porque quero’

Aos 26 anos, Juliana saiu de casa para não magoar a família; na rua, acha que encontrou a liberdade que sonhava.

Por Raquel Brandão
Atualização:
De olhos maquiados, Juliana (nome fictício) acha importante continuar bonita. Veio morar na rua porque queria liberdade e tinha medo de magoar a família. "No começo, eu tinha uma cabeça muito pequena e desprezava essas pessoas, só que quem tá na rua é quem mais me ajudou." Foto: Raquel Brandão / Estadão

Juliana*

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“Faz de três a quatro meses que estou na rua. Nasci em Jundiaí e agora tô aqui na Praça da República. Vim pra rua porque minha cabeça era diferente da cabeça da minha família. Então, pra não fazer eles sofrer, eu vim pra rua. Eu nasci diferente, eu gosto desse ritmo e eles sofriam muito devido à minha escolha.

Todo dia eu tô maquiada, sempre fui vaidosa. Eu tinha dinheiro, só usava roupa de marca. Acho importante continuar bonita. As pessoas ficam de queixo caído: ‘Ah, mentira que você mora na rua mesmo’. Minha família é bem de vida. Eu tinha vida de rainha, tô aqui porque eu quero. Estava morando numa invasão e conheci uma pessoa que eu gosto muito. Ele não gostava de onde eu estava, daí viemos pra rua. Larguei até um lugar que eu consegui sozinha.

Todos a quem você perguntar vão te falar que eles têm alimentação todo dia, doação. Só passa frio quem não vai atrás. São Paulo é muito rico de doação, é a madrugada toda. Eu moro numa barraca de acampamento, onde todos moram, ali no Anhangabau. Ninguém passa ‘veneno’ nenhum na rua, só quem fica acomodado. Às 14h é hora da marmita. É ‘A’ marmita. Todo mundo compra e a gente ganha. É fácil!

Foi na rua que eu quebrei minha cara. No começo, eu tinha uma cabeça muito pequena e desprezava essas pessoas, só que quem tá na rua é quem mais me ajudou. Tem muito pilantra, muita maldade, e já passei por várias situações de morrer, mas conheci pessoas que tiram do corpo delas pra te dar. Isso daí é pra aprender, porque eu sempre tive vida boa.

Eu achava que era um bicho de sete cabeças viver na rua. Mas não é. É uma liberdade única que você tem. A maioria tá aqui porque decepcionou a família e saiu de casa para não fazer sofrer, mas as pessoas mal sabem e acham que é safadeza. A distância machuca, mas se você está perto e não pode fazer feliz, é melhor se afastar. Isso é o amor.

Minha única dor é meu filho, do resto eu não tenho saudade. Eu tenho dois filhos, mas tem um que toca meu coração, o Cauã. Não que eu não ame o outro, mas esse é quem faz todas as minhas noites serem terríveis. Queria voltar a ver meu filho. Mas eu não posso porque ele está com o pai dele. Ele tá melhor lá, não posso tirar ele da segurança pra trazer pra rua, tenho que ter um lugar fixo. Meu sonho é que meu filho esteja bem, o resto eu corro atrás.”

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*Nome fictício, a pedido da entrevistada.

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