'Meu projeto é a resposta imediata aos infratores'
Com o apoio do governo, senador diz que alteraçãodo ECA será votada noSenado antes da PEC da maioridade na Câmara
Entrevista com
José Serra
Entrevista com
José Serra
14 de junho de 2015 | 02h04
Autor do projeto que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para ampliar o prazo máximo de internação dos adolescentes infratores que cometem crimes hediondos de 3 para 10 anos, o senador José Serra (PSDB-SP) viu sua proposta atrair o apoio da bancada petista e se transformar na principal aposta do governo Dilma Rousseff para impedir a redução irrestrita da maioridade penal dos 18 para os 16 anos, como defende o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O tucano acredita que o Senado deve aprová-lo antes do dia 30.
Além de seu projeto, Serra defende a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), que condiciona a quebra da maioridade de adolescentes que cometam, a partir dos 16 anos, crimes hediondos ou graves a um pedido do Ministério Público. Assim mesmo, ela só ocorreria após a decisão de um juiz.
Por que o senhor decidiu apoiar a alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente?
Eu sempre tive uma posição crítica daquela que se dedica a responsabilizar os fatores sociais pela criminalidade, como desigualdade e pobreza, e ao mesmo tempo sugere uma inércia diante do que está acontecendo. O Poder Público tem de proteger a sociedade contra a violência. Outro fator que me impulsionou foi minha experiência no governo do Estado. Particularmente, no caso do Champinha (adolescente que sequestrou e matou um casal em 2003), pois tive de construir na emergência uma unidade para abrigá-lo (como havia terminado o prazo para mantê-lo internado, Champinha teve de ser transferido para uma unidade de saúde, onde está até hoje). O Alexandre de Moraes (secretário da Segurança Pública) me deu as dicas essenciais para meu projeto.
O senhor quer alterações, mas em 1990 votou a favor do ECA...
Votei a favor do ECA.
O que mudou para dizer que agora é preciso modificar a lei que o senhor ajudou a aprovar?
Às vezes, você vota a favor no bojo das decisões partidárias e para onde vai a maioria da comissão (do ECA), que a Rita (Camata) era relatora. Era muito difícil você prever todas as consequências, boas ou não. Você aprova uma lei e depois observa como ela funciona.
E o senhor era constituinte quando se definiu a maioridade aos 18 anos...
Isso nem teve uma discussão. Para eu nem me lembrar, deve ter sido uma coisa...
Votada sem questionamento?
O que houve de importante na Constituinte nessa área foi o plebiscito sobre a pena de morte. Eu fui o principal opositor. Sou contra a pena de morte, porque não tem reparação. Mas, se algum delinquente matar um filho seu, você pode querer se vingar. Eu acho legítimo. Mas acho que o Estado não pode ser instrumento de vingança. Eu não quero deixar de lado a importância das medidas educativas. Mas você precisa ter o indivíduo sem liberdade e a perspectiva para quem está fora de que terá de pagar mais caro. Essa coisa de que a pena não dissuade é conversa.
Os críticos da redução da maioridade dizem que ela é ineficaz...
O argumento da ineficácia não pode derrubar a medida. Se não, vamos parar aonde? Você tem de reprimir o crime. Você tem de analisar os fatores que levam a ele, óbvio. Tem de haver prevenção e repressão. Só reprimir funciona? Não. Por isso, vou deixar de fazer? Não.
A polícia esclarece só 2% dos delitos de autoria desconhecida em São Paulo. Não deveríamos, em vez de aumentar a pena, aumentar a eficiência da polícia?
No caso dos adolescentes, a mudança no ECA tem efeito imediato. Mesmo com o porcentual atual de esclarecimentos de crimes, ampliaria muito o efeito. Mas, é óbvio, que esclarecer mais é crucial.
O que o senhor acha de seu projeto ter se transformado no projeto do governo Dilma?
O projeto é meu/Alckmin. O PT manifestou simpatia. Vi pelo jornal. Alguns senadores - o José Pimentel (PT-CE) e a Gleisi Hoffmann (PT-PR) - me disseram que tinham interesse. No Legislativo, se você tem um projeto, deve negociar com todos. O objetivo é aprovar o projeto; quanto mais apoio tiver, melhor.
Como foi sua conversa com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo?
Ele manifestou interesse de apoiar e perguntou se estávamos abertos para mudanças. Eu disse: 'Se não for no essencial, claro, pode melhorar'.
O governo é contra incluir o tráfico de drogas...
No meu projeto não tem. Eu não poria tráfico de drogas - não porque não ache relevante -, pois a garotada é mais usada como mula. Mas, sendo uma lei ordinária, não há o que impeça aperfeiçoamento futuro.
Aécio Neves apoia a proposta de Aloysio Nunes Ferreira. O PSDB não tem muitos projetos sobre o mesmo tema?
São dois projetos. Um é de emenda constitucional e outro de lei ordinária. Projeto de lei ordinária é de maioria simples, basta votar uma vez. Emenda constitucional são 60% de votos e quatro votações. Mais: é certo que haverá arguição no Supremo pela cláusula pétrea. Acho que não é, mas vai chegar ao Supremo. Vai demorar. Meu projeto dará uma resposta imediata aos infratores.
Mas a PEC só pune os adolescentes a partir de 16 anos. Seu projeto atingiria de 12 a 18 anos...
Isso sempre me preocupou. O que aconteceria, no dia seguinte à aprovação da PEC, quando acontecer um crime hediondo praticado por um adolescente com 15 anos, 11 meses e 29 dias? Veja esse crime bárbaro no Piauí (o estupro de quatro meninas, uma das quais morreu). Dos quatro bandidos, dois têm menos de 16 anos e não estariam sujeitos às mudanças que a PEC propõe. Já a mudança do ECA os enquadraria.
O senhor quer dizer que sua proposta é melhor do que a redução ampla da maioridade penal?
Eu estou focado na proposta do Aloysio; eu vou votar nela.
E se a Câmara votar a redução ampla, não só os hediondos?
Eu não vou me manifestar sobre o que a Câmara pode fazer.
Mas o senhor não é a favor da redução para todos os crimes.
Não se deve reduzir porque você tem os crimes menores.
O PSDB está dividido? De um lado Aécio, de outro Alckmin. O partido alcança um consenso?
Acho que sim. Na prática, vai. O autor é o Aloysio, eu nunca conversei com o Aécio sobre o projeto. Conversei com o Aloysio, que não tem divergência com o projeto do ECA. Eles são complementares, pois o do ECA resolve o problema do infrator com menos de 16 anos. O José Pimentel avocou a relatoria. E vai botar para votar logo. Tenho impressão que antes do dia 30 (data que Cunha quer votar a PEC da maioridade na Câmara).
Cunha quer tirar da PEC de Aloysio a análise judicial para reduzir a maioridade...
A PEC do Aloysio não está na Câmara.
O senhor acredita que existe clima no País para se discutir a maioridade com equilíbrio?
É ilusão achar que mudanças legislativas são feitas fora do clima de motivação para o assunto. A conjuntura influi no Brasil e no mundo. É impossível separá-la.
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