
07 de abril de 2013 | 02h05
SÃO PAULO - Cortando do burburinho depois do trabalho à imensidão abandonada do centro, batuqueiros de maracatu de baque virado - um estilo musical pernambucano - saem em cortejo da Praça da República à noite sem rumo. Estudantes do curso de Arquitetura da Escola da Cidade levam a pontos históricos do centro um fragmento de carnaval. Todas as quartas-feiras, às 21 horas, sob o apito e os acenos de um líder, o grupo Baque Cidade, com 20 pessoas, inaugura o toque ágil e agudo dos tambores leves das caixas de guerra. No centro soa o gonguê, uma haste de metal ligando dois sinos que recebem toques ritmados.
Não é raro que pessoas saindo do trabalho com suas roupas sociais parem no caminho do metrô e saquem seus celulares para tirar fotos. Alguns se agregam ao cortejo e imitam os dançarinos ou simplesmente improvisam um samba - em flagrante descompasso com a música. O batuque reverbera nos prédios de ruas mais estreitas; as cabeças de moradores emergem conforme o grupo passa. Alguns aplaudem, outros não. "Já teve gente que jogou água de dentro do apartamento", conta Henrique Barros, de 34 anos, o Capitão.
VÍDEO: Grupo marcha à noite
Com ou sem apoio, o fato é que grandes tambores graves de couro, as alfaias, se posicionam em fileiras. Castigadas com vigor pelos batuqueiros, eles emitem o som mais forte. À frente da formação ficam os xequerês, cabaças envoltas por trançados de grandes miçangas que deslizam fazendo o som de chocalho conforme os músicos dançam.
Fora alguns bares perto de fechar, o Baque Cidade é uma das únicas fontes de barulho e diversão na região. Assim que começa a marcha em direção à Avenida Ipiranga, emoldurados pelo Edifício Itália, o grupo atrai a fauna urbana. O ciclista João Baracho, por exemplo, que pedala à noite no centro há um ano foi fisgado na noite de quarta-feira. Ele diz acreditar que os vídeos que fez do maracatu podem convencer amigos a se juntarem ao grupo. "Parece que só tem mendigo e crack no centro, então vamos mostrar para quem tem preconceito para ver se eles animam."
Perto do Teatro Municipal, um grupo de skatistas deslizava ao som do batuque às 22h40 de quarta-feira. Assistindo de um canteiro de concreto no meio da rua, o morador de uma ocupação na Ipiranga, Jefferson Sousa, de 22 anos, diz que estuda na região e que estica a noite quando há maracatu. O grupo seguiu e atravessou o Viaduto do Chá, onde o clima já era outro. Nas ruas, o movimento era quase nulo e o cenário, ilustrado por moradores de rua dormindo. Acordado pelo som do baque, Vanderlei Marfil, de 41 anos, afirma não se importar. "Isso sempre teve!"
Batuqueiros. Cerca de metade do Baque Cidade é formado por estudantes de Arquitetura. O restante é de frequentadores eventuais, grande parte vinda de companhias que tocam na zona leste. Grávida de sete meses, Érica Fernanda de Vite sai do trabalho e fica mais duas horas no centro tocando a pesada alfaia antes de pensar em voltar para casa, em Itaquera. "É legal porque o neném mexe com o baque."
A roupa usada por Érica e outros músicos é marcante. Segundo o estudante João Wallig, que participa do maracatu desde o começo, em 2007, as calças laranjas e as camisetas cinzas com a imagem estilizada do mapa de São Paulo são "uma colagem de uniformes de pessoas que trabalham na cidade: o gari, o (agente da) CET, pessoas que fazem a cidade funcionar". "É como se estivéssemos a serviço de São Paulo."
História. O ritmo afro-brasileiro do maracatu se popularizou em São Paulo a partir de meados da década de 1990, pegando carona com grupos como de Chico Science e Nação Zumbi, Mestre Ambrósio e Mundo Livre/SA. Mas foi só em 2007 que os estudantes, com o apoio da direção da Escola da Cidade, chamaram o percussionista Henrique Barros, o Capitão, para uma palestra. A partir daí, a ideia ganhou corpo. Surgiu o grupo.
Em 2009, os cortejos, que saíam da faculdade a cada dois meses, viraram regra semanal. Foi para não incomodar muito os vizinhos que o Baque Cidade, depois de muitas reclamações, decidiu incomodar um pouco o centro inteiro. "O barulho incomoda. Só que, como a gente está de passagem, na hora em que o cara resolve ligar para polícia, o barulho já está longe", diz o Capitão, sobre a estratégia de levar o maracatu às ruas.
Conheça os grupos de maracatu em São Paulo:
Caracaxá
Cidade Universitária. Av. Professor Melo Morais, próximo à Raia e do portão dois.
Grupo Cangarussu
Tendal da Lapa, R. Guaicurus, 1085, Lapa,
Prego Batido
Escola de percussão na rua Capital Federal, 35, Sumarezinho
Balé Popular Cordão da Terra
Cefopea. Av. Ariston de Azevedo, n° 10, Belém.
Maracatu Ouro do Congo
Espaço Cita, R. Haroldo de Azevedo, 20
Grupo Cultural Baque das Ondas
Casa de Cultura Chico Science, Av. Presidente Tancredo Neves, 1265, Ipiranga.
Maracatu Baque Sinhá
Praça do obelisco do Ibirapuera
Grupo de Maracatu Ilê Aláfia
ACM CDC Leide das Neves, Rua Nelson Fernandes, 257, Jabaquara
Maracatu Porto de Luanda
NA E.E. Professor Milton Cruzeiro, R. Alamandas, 36, Itaquera
Nação São Miguel
Casa de Cultura, Rua Irineu Bonardi, 169, São Miguel Paulista
Cia de Cultura Popular Lelê de Oyá
Cohab II. Av. Prof. João Batista Conti, 1245 no Conj. José Bonifácio, Itaquera
Maracatu Bloco de Pedra
R. Alves Guimarães, 1511, Pinheiros
Baque Cidade
Rua General Jardim, 65, República
Arrastão do Beco São Paulo
Praça Floriano Peixoto, 131, Santo Amaro
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