Mais cara e atrasada, obra do Anhangabaú tem entrega adiada para 30 de outubro

Remodelação de espaço na região central de São Paulo custará 17% mais do que previsto, chegando a R$ 93,8 milhões; abertura de envelopes da concessão também foi postergada e oferta inicial foi reduzida para R$ 95 mil

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Por Priscila Mengue
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Prevista para o último domingo, 20, a entrega da remodelação do Vale do Anhangabaú foi mais uma vez remarcada em meio a um cenário de atrasos e encarecimento da obra e, ainda, de mudanças e redução no valor que a Prefeitura fixou para a concessão do espaço à iniciativa privada. A nova data de conclusão é 30 de outubro, 16 dias antes das eleições, em que o prefeito Bruno Covas (PSDB) tenta a reeleição e na qual tem propostas de transformação do centro de São Paulo como algumas das principais bandeiras.

O vale ainda em obras: consórcio avisou que prazos teriam de ser revistos Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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A nova data de conclusão foi oficializada no sábado, 19, no que foi o nono aditamento do contrato, assinado com o Consórcio Central em 2017. O valor também mudou, subindo 17,4%, passando de R$ 79,9 milhões para R$ 93,8 milhões. Esse é quase metade do custo do contrato de concessão por 10 anos do espaço, avaliado em R$ 49,2 milhões, que inclui despesas, investimentos e outorgas.

Em documentos a que o Estadão teve acesso, datados de 9 de setembro, o consórcio alega que não é possível entregar a obra dentro do prazo e pede adiamento para 28 de fevereiro. Antes disso, em agosto, ele já havia pedido um prolongamento da execução até 20 de dezembro. Entre os motivos alegados, estão o que chama de “diversas alterações no projeto”, referentes a redes de telecomunicações, água, esgoto, gás e energia, e a pandemia do novo coronavírus, que teria exigido o afastamento de parte dos trabalhadores.

No cronograma sugerido em documento assinado pelo gerente de contrato de uma das integrantes do consórcio, nenhuma fase da obra aparece pronta até dezembro e grande parte das intervenções estão assinaladas com conclusão para o ano que vem, como a pavimentação, as instalações hidráulicas, a iluminação pública e luminotécnica, a ventilação e exaustão, o paisagismo e os mobiliários urbanos.

Formado pelas empresas FBS Construção Civil e Pavimentação S.A. e Lopes Kalil Engenharia e Comércio Ltda, o consórcio foi procurado pela reportagem e afirmou, em nota, que “não é fonte oficial para responder aos questionamentos referentes à obra”.

O contrato de concessão terá validade de 10 anos e se refere à gestão, manutenção, preservação e “ativação” sociocultural do espaço Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Além da obra em si, o processo de concessão do vale e de áreas do entorno teve a abertura dos envelopes com propostas da iniciativa privada adiada novamente nesta semana, com remarcação para 23 de outubro. A decisão ocorre após mudanças no edital, que chegou a ser suspenso pelo Tribunal de Contas do Município (TCM) em agosto.

O edital foi republicado nesta quarta-feira, 23, após sofrer novas modificações e acatar parte das recomendações do tribunal. O valor da outorga fixa foi novamente reduzido, desta vez para R$ 95 mil, inferior aos R$ 122 mil previstos na versão de 15 dias atrás e aos R$ 370 mil previstos em julho.

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Dentre as mudanças, também estão a exclusão do trecho que previa a responsabilidade da concessionária de fazer a limpeza e a segurança da área durante e depois a realização de eventos da Prefeitura e a delimitação de serviços que poderão ser terceirizados, além de outras mais.

O contrato de concessão terá validade de 10 anos e se refere à gestão, manutenção, preservação e “ativação” sociocultural do espaço, com a realização de apresentações musicais, workshops e oficinas. Após ser procurada pelo TCM, que chegou a questionar sobre a possibilidade de adiamento para um período pós-pandêmico, a gestão Covas justificou que teria um custo mensal de R$ 185 mil para manter o espaço.

Além da área aberta do vale, a concessão incluirá as Praças Ramos de Azevedo e do Patriarca, a escadaria da Rua Dr. Miguel Couto, o trecho da Avenida São João entre as Ruas Conselheiro Crispiniano e São Bento e as Galerias Formosa e Prestes Maia

Segundo a Prefeitura, o objetivo é ampliar a presença da população no vale. Dentre as mudanças, estão a implantação de 852 jatos d’água, 852 pontos de iluminação cênica e 11 quiosques (de lojas, cafeterias e afins), além da realização de eventos diários.

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Críticas. Nos últimos meses, a remodelação do Anhangabaú também tem sido alvo de críticas nas redes sociais e por parte da população, especialmente em relação à pavimentação de grande parte do espaço. Um vídeo com testes de iluminação nos jatos d’água até viralizou nos últimos dias e virou alvo de memes pelo colorido variado.

Idealizado pelo escritório do arquiteto dinamarquês Jan Gehl, o projeto teve adaptações (especialmente pelo escritório brasileiro Biselli Katchborian) quando Fernando Haddad (PT) ainda era prefeito, mas começou a ser implantado na gestão posterior. 

Professor de Urbanismo da Universidade Mackenzie, Celso Aparecido Sampaio lembra que o vale passou por outros projetos de remodelação ao longo dos últimos 100 anos, sendo que o último foi entregue há cerca de três décadas.

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“Por que uma determinada área da cidade merece ser renovada a cada 20 anos? Por que não se pensa isso para Cidade Tiradentes (na zona leste), por exemplo, que existe há muito mais de 20 anos e carece de intervenção público, de oferta de trabalho, de lazer, de oferta de cultura, de infraestrutura urbana de toda ordem?”

Para ele, o projeto anterior, de Jorge Wilheim e Rosa Kliass, tinha alguns problemas, como a menor interligação com o entorno, mas conseguiu se readaptar. “O vale tinha uma dinâmica, o que não tínhamos era uma preocupação em cuidar.”

Ele argumenta, por exemplo, que o valor da obra poderia ter sido investido em habitação com aluguel social (em que a posse do imóvel é da Prefeitura) para as pessoas que já vivem nas ruas, nos cortiços e nas ocupações da região. 

Além disso, o urbanista critica o modelo de a Municipalidade bancar a obra e, depois, repassá-la à gestão privada. “Está passando o capital público para o capital privado. Faria mais sentido se chamasse a iniciativa privada para explorar e, em contrapartida, iria-se reformar e zelar, não investindo o recurso para quem precisa e transferindo esse dinheiro para que o ente privado possa explorar.” 

Professora de Urbanismo da USP, Regina Meyer também aponta problemas. “Os projetos se repetem há décadas com pouca, ou melhor, nenhuma leitura do que o vale representa como elemento central do funcionamento urbano, tanto em escala local como urbana. As ideias sempre acabam por torná-lo monofuncional, isto é, espaço de lazer”, comenta. “Ele precisa ser mais do que isso: ter função na movimentação da população que frequenta o Centro, estar associado ao transporte público, buscar as entradas e saídas do metrô.”

Nos últimos meses, a remodelação do Anhangabaú também tem sido alvo de críticas nas redes sociais e por parte da população, especialmente em relação à pavimentação de grande parte do espaço Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Obra está sujeita a 'várias intercorrências', diz Prefeitura

Em nota, a Prefeitura afirmou que uma obra deste porte está "sujeita a várias intercorrências, sobretudo quando licitada com base em projeto básico" e que está "preocupada com qualidade e o resultado final". "O consórcio responsável continuará presente e operante durante os próximos seis meses para eventuais ajustes que sejam necessários", apontou. 

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Além disso, justificou o aumento do custo ao detalhamento do projeto executivo. "Durante a elaboração do projeto executivo constatou-se que a altura do túnel do Anhangabaú era diferente da prevista no projeto básico, exigindo um acréscimo no volume de material e transporte para aterro, para viabilizar a implantação do sistema de aspersão e drenagem das futuras fontes."

"Reforçamos, ainda, que o antigo projeto não estimulava a permanência das pessoas no espaço, o que ocasionava problemas de segurança, dificuldade para pedestre, áreas insustentáveis e ociosas, ausência de acessibilidade, limitação para o desenvolvimento de atividades econômicas e atrativas para o local.Não havia bancos, os edifícios no entorno tinham pouquíssimas atividades convidativas.O projeto atual apresenta conceitos condizentes com a vida urbana do século XXI ao propor mudança de característica do Vale, de espaço de passagem para espaço de permanência", acrescentou.

Por fim, a nota ainda aponta que a concessão "significará um benefício econômico de aproximadamente R$ 250 milhões por ano para os estabelecimentos do Centro da cidade". " E também vai representar um aumento de cerca de 10 mil pessoas, por semana, circulando na região, que desfrutarão de atividades diversas, eventos, serviços, locação de espaços para comércio e alimentação."

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