
23 de julho de 2018 | 23h10
A Justiça de São Paulo suspendeu a autorização que havia concedido em junho à Prefeitura de São Paulo para a cremação de 1,6 mil ossadas não identificadas do Cemitério da Quarta Parada, zona leste da capital. A decisão é de quinta-feira, 19, mas ficou disponível nesta segunda-feira, 23.
No último dia 12, quatro entidades de defesa dos direitos humanos apresentaram petição contra a cremação. Segundo a juíza Renata Pinto Zanetta, da 2.ª Vara de Registros Públicos, os argumentos apresentados pelas instituições, "apesar de terem vindo à tona somente agora", apontaram o risco da irreversibilidade da decisão anterior caso os ossos fossem cremados.
"Decreto a suspensão dos efeitos da sentença, suspendendo a autorização para cremação de ossadas, vedando, outrossim, a realização de qualquer cremação até ulterior deliberação deste Juízo", determinou a magistrada, que proibiu a emissão do alvará que garantiria a cremação dos restos mortais até segunda ordem.
A Justiça também concedeu, em caráter de urgência, pedido de vista ao Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos do Ministério Público de São Paulo, que deverá se posicionar sobre o caso antes da decisão final sobre a cremação. No entanto, a juíza não retirou o sigilo do processo.
"A decisão consagra a importância da dignidade da pessoa humana e a responsabilidade do poder público para cuidar e identificar os restos mortais e entregar as ossadas para suas famílias", diz Dimitri Sales, advogado e presidente do Instituto Latinoamericano de Direitos Humanos (Iladh), uma das entidades que assinaram a petição pela suspensão da cremação.
Segundo Sales, as entidades de defesa dos direitos humanos aguardarão o posicionamento e as recomendações do Ministério Público para avaliar novos recursos na Justiça. Além do Iladh, também assinaram o recurso o Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana (Condepe), a Associação Brasileira de Busca e Defesa à Criança Desaparecida e o Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública e Autarquias do Município de São Paulo (Sindsep).
Em nota, a Prefeitura de São Paulo informa que ainda não foi notificada da decisão da 2.ª Vara de Registros Públicos. "O Serviço Funerário do Município de São Paulo esclarece que o procedimento não é inédito, tendo sido feito pela última vez em 2005, no Cemitério Quarta Parada, quando foram cremados 2.117 ossos", informou a gestão Bruno Covas (PSDB).
As entidades de defesa dos direitos humanos afirmam, na petição apresentada no dia 12, que a autorização de cremação viola o direito à memória dos falecidos e impede os familiares de decidirem sobre os restos mortais. As instituições afirmam ainda que, por serem ossadas datadas de 1941 a 2000, a cremação pode levar "redesaparecimento" de possíveis vítimas da ditadura militar (1964-1985).
A Prefeitura nega as acusações e afirma que a cremação é necessária tanto para a proteção ambiental quanto para criar espaços para novos sepultamentos.
"A prática não incide em atentado à memória e é regulamentada pelo provimento 24/1993, da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo", informa a gestão Covas. "Conforme previsto no art.39 do ato 326/32, estas ossadas se tratam de objeto de comisso, ou seja, são provenientes de túmulos que foram abandonados e retornam à Prefeitura."
As entidades também questionaram a suposta relação entre a cremação e a tentativa de a Prefeitura conceder o Cemitério da Quarta Parada à iniciativa privada. Segundo as instituições, a ação livraria o futuro concessionário de arcar com os custos e entraves burocráticos com a identificação de cada ossada.
A Secretaria de Desestatização e Parcerias nega relação com a concessão do cemitério e afirma que "os processos administrativos (relativos à cremação), inclusive, foram iniciados em 2013 e 2014."
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