Justiça manda soltar Gegê do Mangue, número 3 do PCC, a 2 semanas de júri

Com habeas corpus do STF e fragilidade de acusação de homicídio, integrante da cúpula da facção conseguiu alvará e deve deixar cadeia em Presidente Venceslau

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Foto do author Marco Antônio Carvalho
Por Alexandre Hisayasu e Marco Antônio Carvalho
Atualização:

SÃO PAULO - A Justiça expediu alvará de soltura em favor de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, considerado o número 3 na hierarquia do Primeiro Comando da Capital (PCC). Ele deverá deixar nesta quinta-feira, 2, a Penitenciária II de Presidente Venceslau, no interior do Estado. Gegê responde a pelo menos 11 processos por homicídio, formação de quadrilha e tráfico de drogas, entre outros crimes. A defesa conseguiu reverter, antes dos julgamentos, as prisões provisórias que o mantinham detido.

Um dos júris em um processo de homicídio a que o acusado responde havia sido marcado para 20 de fevereiro – o trâmite já se arrasta por quase dez anos. Membros do Ministério Público expressaram preocupação de que Gegê não compareça à sessão, o que foi negado pela defesa, que garantiu a presença. Investigações apontaram que Gegê é membro da sintonia final geral da facção (mais informações nesta página), com importante papel na articulação do grupo para cometimento de crimes, como emissão de ordens para assassinatos, além do controle sobre o tráfico de drogas. A decisão de libertar o membro do PCC foi tomada pelo juiz Deyvison Heberth dos Reis, da 3.ª Vara de Presidente Venceslau, em um processo de homicídio qualificado em que Gegê é réu. O caso corre em segredo de Justiça e é relativo a um assassinato cometido em 2013.  Fontes ouvidas pelo Estado informaram que, nesta semana, o depoimento de um corréu excluindo o envolvimento de Gegê no caso levou à soltura. Foi a primeira vez que o homem isentou de culpa o integrante da facção após ter descrito em outras três oportunidades como Gegê seria o mandante do crime. O acesso à íntegra da decisão, pedido pela reportagem, foi negado.

Gegê do Mangue em imagem divulgada pela polícia em 2003 Foto: Polícia Militar/Divulgação

A soltura do acusado foi obtida porque em nenhum dos outros processos a que responde houve decreto anterior de prisão provisória. Antes da decisão no processo de Presidente Venceslau, a defesa de Gegê já havia conseguido reverter no Supremo Tribunal Federal (STF) a prisão relativa a outra acusação de homicídio, que foi cometido em 2004 na favela do Sapé, no Rio Pequeno, zona oeste de São Paulo. Ele, em parceria com Abel Pacheco de Andrade, o Vida Loka, são acusados de ordenar, por celular, um duplo homicídio. Em dezembro de 2014, o ministro do STF Marco Aurélio Mello entendeu ter havido excesso de prazo da manutenção da prisão preventiva, que naquela data já se estendia por sete anos. “Hoje, o paciente, sem culpa formada, está sob custódia há sete anos, 10 meses e 21 dias (...). Nada justifica a demora no julgamento do processo-crime a envolver réu preso”, escreveu Mello na decisão que deferiu o habeas corpus. Na época, a liberdade não foi possível porque ele ainda estava detido pelo homicídio no interior. Periculosidade. Em parecer enviado em 23 de agosto de 2016 ao Supremo, no âmbito da análise do mérito do habeas corpus, o subprocurador-geral da República Edson Oliveira de Almeida argumentou contra a concessão da liberdade. Para ele, “apesar do tempo que perdura a prisão, a reconhecida periculosidade do paciente não permite a expedição do alvará de soltura”. Almeida descreveu Gegê, “apontado como um dos líderes do PCC”, como a pessoa que teria ordenado o crime, baseado na sentença que os levou a júri popular. “Ficou evidenciado que os acusados Abel e Rogério, por meio da utilização de aparelhos celulares que mantinham e usavam no interior das penitenciárias, planejaram, comandaram e ordenaram, enquanto líderes do PCC que outros integrantes da referida organização matassem as vítimas Rogério Rodrigues dos Santos e Nilton Fabiano dos Santos.” O professor de Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Cláudio Langroiva demonstrou espanto com as circunstâncias da soltura de Gegê. “É difícil acreditar que, talvez por negligência, haja um descompasso de informações desse tamanho. A decisão deve sempre levar em consideração as circunstâncias que rodeiam o acusado, como a questão da periculosidade”, disse. “O excesso de prazo pode estar ligado à complexidade do caso.” Ao Estado, o advogado Isaac Minichillo disse que seu cliente estava preso de forma injusta. “Ele estava detido sendo inocente. Foi acusado de ter mandado cometer esse homicídio, mas foi apurado que ele realmente não mandou. Ficou provado”, afirmou. Sobre o julgamento do dia 20, ele disse que o acusado vai comparecer.  O Ministério Público disse que Gegê teve a prisão revogada por decisão da Justiça, “observando-se os parâmetros estabelecidos pela legislação”. “O MP continuará o seu trabalho de persecução penal contra Gegê ou contra qualquer outra pessoa que pratique crimes em território paulista”, informou. Impronúncia. Em nota na tarde desta quinta-feira, 2, o juiz Deyvison Heberth dos Reis destacou que a decisão de soltar Gegê foi tomada a partir de solicitação do Ministério Público, cujo promotor no processo requereu a impronúncia do acusado, ou seja, retirou as acusações que mantinha sobre o envolvimento dele no assasinato. “Não restou alternativa ao magistrado senão revogar a prisão preventiva, que já durava mais de três anos”, declarou. Reis ressaltou que o réu já havia cumprido toda a pena que havia sido imposta a ele em outros processos por outros crimes. “E, no processo que tramita em Presidente Venceslau, o réu apenas estava preso provisoriamente, mas a partir do momento em que a Promotoria entendeu, diante das provas coligidas na instrução criminal (sob o crivo do contraditório), que inexistem provas para levar o caso a Júri Popular, não havia pressupostos fáticos e jurídicos para se manter a prisão preventiva neste processo, a menos que se perpetrasse uma arbitrariedade”, detalhou o magistrado.   

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