Justiça barra construção de torres em área de Mata Atlântica no Panamby

Fundo imobiliário planeja erguer prédios residenciais e comerciais no terreno de 67,6 mil metros quadrados, na frente do Parque Burle Marx; segundo a decisão, zona é de proteção ambiental e tem espécies ameaçadas de extinção. Ainda cabe recurso

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Por Fabio Leite
Atualização:

Corrigida em 16/02/2018

SÃO PAULO - A Justiça Federal barrou nesta quinta-feira, 8, a construção de um megaempreendimento com prédios residenciais, comerciais e um hotel em área remanescente de Mata Atlântica na frente do Parque Burle Marx, no Panamby, bairro nobre da zona sul de São Paulo. Na decisão liminar (provisória), o juiz Paulo Cezar Duran, da 21.ª Vara Cível, determina que o terreno seja considerado Área de Proteção Ambiental (APP), o que inviabiliza o negócio, e aponta risco a espécies ameaçadas de extinção, como um caramujo que só existe no local. Ainda cabe recurso.

Moradores da região se mobilizaram contra o projeto. Foto: Amanda Perobelli/Estadão

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A decisão acolhe parcialmente uma ação civil pública movida em maio de 2017 pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o Fundo Imobiliário Panamby, BRKB Distribuidora de Títulos e Valores Imobiliários S/A e a Cyrela Vermont de Investimentos Imobiliários, donos do terreno. Com 67,6 mil metros quadrados, a área se estende em sete lotes no trecho entre o Burle Marx, incluindo o estacionamento do parque, e a Marginal do Pinheiros. 

Na ação, o MPF pediu também que os atuais proprietários fossem obrigados a recuperar uma área degradada de 2,8 mil m², o que havia sido recomendado pelos procuradores em 2016, mas não foi atendido pelos empreendedores. O juiz, porém, indeferiu o pedido, determinando uma perícia para analisar a possibilidade de regeneração da área, que virou um aterro no meio da mata nativa. 

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Após pressão do MPF e dos moradores do Panamby contrários ao empreendimento, a Cyrela chegou a abrir parte da área verde e propôs reduzir a obra a três lotes, alegando que o trecho não configurava uma APP. Na decisão, contudo, o juiz decide que toda a área envolvida no negócio deve ser preservada e obedecer às restrições impostas pela Lei da Mata Atlântica (11.428/2006).

A legislação proíbe o corte de vegetação secundária em estágio avançado e médio de regeneração do bioma Mata Atlântica para fins de loteamento ou edificação quando há espécies de flora e fauna ameaçadas de extinção, como é o caso da área ao redor do Burle Marx. Laudos feitos por biólogos e geólogos desde a abertura do inquérito pelo MPF, em 2014, constataram a presença de 112 espécies de aves, das quais quatro estão ameaçadas de extinção, como o gavião-pombo-pequeno.

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Naquele ano, pesquisadores também encontraram no local uma espécie de flora também sob ameaça, a samambaiaçu, e um caramujo que só existe na região, batizado de Adelopoma paulistanum. "Aceitável, portanto, o receio do MPF de as rés privadas atingirem as áreas de preservação, ainda que de forma indireta, tendo em vista todos os laudos e pareceres dos agentes fiscalizadores do meio ambiente que informam a importância da preservação de todo o ecossistema", diz o juiz. Advogado do Fundo Imobiliário, Douglas Nadalini afirmou que ainda vai analisar a decisão. A Cyrela não quis se manifestar.

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Poder público. A Justiça também proibiu a Prefeitura e a Companhia Ambiental de São Paulo (Cetesb) de emitirem licença e alvará autorizando a construção sem aval prévio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Segundo a Prefeitura, a análise do alvará pedido pela Cyrela está suspensa. A Cetesb não se manifestou.

"A liminar atende aos anseios de mais de 25 mil pessoas que assinaram o manifesto pela preservação do entorno do Parque Burle Marx", afirma o advogado Roberto Delmanto, presidente da associação de moradores SOS Panamby. Em 2015, o MPF já havia obtido liminar, barrando a construção de torres residenciais em um terreno de 85,2 mil m² ao lado do da Cyrela, também pertencente ao Fundo Imobiliário do Panamby e à construtora Camargo Corrêa, por dano ambiental. 

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Caramujo. O Parque Burle Marx abriga, além de animais e plantas da Mata Atlântica, pelo menos uma espécie endêmica, ou seja, que só ocorre na região. Trata-se de um caramujo, de apenas 3 milímetros, que foi descoberto por uma dupla de cientistas em 2014.

"Quando analisamos, vimos que era um animal novo. E resolvemos apresentá-lo ao mundo", conta Luiz Ricardo Simone, professor da Universidade de São Paulo (USP). O nome escolhido para o pequeno bicho foi Adelopoma paulistanum, em homenagem à cidade. A descoberta foi publicada na revista científica Journal of Conchology em 2014 e deu base à argumentação do Ministério Público Federal para pedir o veto a empreendimentos.

Espécie foi descoberta por cientistas em 2014 e nome homenageia a capital paulista. Foto: Imagem cedida por Luiz Ricardo Simone

Simone explica que a existência do caramujo pode indicar que há outras espécies endêmicas na região. "Não só moluscos, mas insetos e até mamíferos. Ele é só a ponta do iceberg", diz. "Usamos esse animal como bandeira para tentar preservar um pedaço de Mata Atlântica ali."

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Os hábitos do caramujo ainda não foram detalhados. "Estudando isso, talvez descubramos substâncias que façam a maior falta (como opções de tratamentos para doenças)." A espécie está sob análise de órgão técnico federal, com conclusão prevista para este ano. Para Simone, a devastação da área pode comprometer a espécie. "Mesmo que sobrem poucos, não têm reprodutividade e acabam se extinguindo." 

Outro caso. O impacto a espécies nativas é levado em conta na análise de liberação de obras. Em 2007, por exemplo, o Ibama negou licença para hidrelétricas no Rio Madeira, em Rondônia, sob argumento de que as obras ameaçavam os peixes dourada e piramutaba. O empreendimento foi liberado depois, com ajustes.

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