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Juiz amplia para 18 meses prazo para Círculo Militar entregar área do Ibirapuera

Clube defende saída em três anos; magistrado critica tentativa da Prefeitura de São Paulo de manter permissão de uso

Foto do author Priscila Mengue
Por Priscila Mengue
Atualização:

O juiz que condenou o Círculo Militar de São Paulo a devolver a área pública que ocupa desde 1957 no entorno do Parque do Ibirapuera aceitou parte dos embargos declaratórios na quinta-feira, 18, e mudou o prazo máximo para a entrega do espaço, na zona sul da capital paulistana. O clube poderá deixar o local em até 18 meses, em vez de três meses, mediante o pagamento de uma retribuição mensal.

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O período do pagamento retroativo de R$ 1 milhão pelo uso considerado “ilegal” foi reduzido para até maio de 2014, em vez de 2012. Na decisão, o magistrado Kenichi Koyama, da 15ª Vara da Fazenda Pública, também criticou a postura da gestão Ricardo Nunes (MDB) em resistir ao encerramento da permissão de uso por meio de embargos declaratórios diversos.

Na segunda-feira, 15, o prefeito se reuniu com o presidente do Círculo Militar, general de Divisão Eduardo Diniz. Em nota, a gestão municipal apontou que foram abordadas "diversas alternativas, que prosseguirão em estudos junto com as tratativas para alcançar uma solução adequada que atenda ao interesse público". 

A defesa do Círculo Militar tem reivindicado que a saída do endereço seja em até três anos. A ação civil pública questiona a renovação da permissão de uso de 2012, em decreto do então prefeito Gilberto Kassab (PSD). Um título de associado no clube custa, à vista, de R$ 10 mil (individual) a R$ 20 mil (familiar).

Sede do Círculo Militar, no entorno do Parque do Ibirapuera; clube foi condenado a devolver terreno público Foto: Felipe Rau/Estadão - 01/08/2022

Os embargos de declaração têm a finalidade de rever pontos específicos, mas não podem alterar a essência da decisão. Em nota ao Estadão, o escritório Escudero e Ziebarth Advogados, que representa o Círculo Militar, afirmou que entrará com um recurso de apelação ao Tribunal de Justiça, pois considera o termo de permissão de uso "legítimo" e que o espaço tem "destinação plenamente adequada ao interesse público". Também destacou que a decisão reconhece a "impraticabilidade da desocupação da área no exíguo prazo de três meses, já que isso prejudicaria também as ações sociais desenvolvidas no imóvel".

Os embargos declaratórios interpostos pela Prefeitura (como a determinação de efeito suspensivo) foram criticados pelo magistrado. “Causa estranheza que o Município resista em receber patrimônio público que está a ser particularmente fruído sem contrapartidas adequadas”, afirmou na decisão. Em outro trecho, comenta que um questionamento foi aberto apenas pelo Município, nem sequer pelo clube, “indicia que se trata tão somente de divergência com a conclusão, a acarretar mora injustificada no processo”.

Koyama pondera que a resistência da gestão em seguir com a permissão de uso poderia ser motivada pelo planejamento e o custo necessários para a manutenção, a readequação de uso e o funcionamento do espaço. Mas destaca que a multa e o tempo de duração do processo permitem essa organização. 

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“Significa dizer: se o incômodo da sentença se dá porque súbita, há tempo. De outra banda, se a resistência decorre das despesas, entabulem-se contrapartidas. Mas, finalmente, sem solução, ainda haverá tempo para desafetação pela via legislativa”, comenta. “Qualquer que seja a resposta, portanto, não vislumbro interesse recursal administrativo para oposição de embargos de declaração.”

Na decisão, o juiz voltou a dizer que o clube fazia uso particular de um bem público sem proporcionar contrapartida equivalente. A entidade argumenta que realiza atividades sociais, como uma parceria com uma escola municipal da região. “Se trata de clube particular que se serviu por anos de bem alheio, e a modicidade eventual das mensalidades foi fruída por seus associados, nada havendo de incoerente ou contraditório em se condenar aqueles que particularmente se serviram da coisa a indenizar o uso injusto que se deu em prejuízo de terceiros”, escreveu o magistrado.

Sobre o prazo de 18 meses, explicou ter considerado para não prejudicar “eventual calendário de aulas, de atletas, e sobretudo para que haja tempo suficiente de inclusão de proposta em Lei Orçamentária”. “Afinal, os interesses aqui em disputas não são exclusivos do Círculo Militar e de seus associados/usuários, mas deles em confronto com interesses gerais de toda sociedade paulistana, que é a verdadeira titular do bem.”

Também foi acolhido um embargo declaratório do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que solicitava a determinação de correção monetária dos pagamentos retroativos pelo uso do espaço. O valor de R$ 1 milhão será corrigido da mesma forma que em ações de despejo, com juros de mora de 1% ao mês.

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O valor está ligado a uma estimativa da Promotoria a partir de dados de mercado e do Município. Pelo cálculo,a não cobrança de IPTU (orçado em R$1,3 milhão) e de aluguel (estimado em R$ 878 mil ao mês) resultaria em um prejuízo anual aos cofres públicos de R$11,9 milhões.

O juiz não acolheu os questionamentos quanto ao valor indenizatório e argumentou que “se trata de área com 31.005,20 metros quadrados, o que revela que o valor de indenização requerido implica em R$ 32,26 por metro quadrado, importância muito aquém para a dimensão e localização do espaço”.

Já a redução do período retroativo foi motivada por uma jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) de que “lícito civil administrativo admite prescrição”. Como a ação foi aberta pelo (MP-SP em 29 de maio de 2019, o juiz entendeu que a prescrição após cinco anos incide na ocupação anterior a 30 de maio de 2014. 

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Terreno foi cedido em 1957

O clube está em um terreno cedido pelo Município em 1957, com permissão de uso prorrogada ao longo de décadas. Hoje, soma uma área construída de 25,9 mil metros quadrados, incluindo piscinas, quadras, ginásios e restaurante e outras estruturas.

Semanas atrás, em postagem em redes sociais, o clube afirmou que está tomando "providências" e que contratou “dois dos mais renomados escritórios de advocacia para tratar do caso". "Tudo o que está a nosso alcance está sendo feito. Com a confiança na legitimidade da concessão feita e nas contrapartidas que o clube presta à sociedade, temos convicção que venceremos mais esse obstáculo."

Em 2006, a Prefeitura chegou a anunciar que iria notificar o clube para deixar a área, por descumprimento de contrapartidas, porém uma decisão judicial barrou a saída. A gestão pretendia incluir o espaço em um plano de expansão do Parque do Ibirapuera, juntamente com outros espaços que também integravam a área original do parque.

Em 2001, a CPI de Áreas Públicas já apontava o “descumprimento de contrapartidas assumidas; inexistência de benefício para o Município na cessão da área” pelo clube. “A Comissão Parlamentar de Inquérito decide um arbitramento entre a Prefeitura e o Clube de contraprestação mensal pecuniária, compatível com a localização, tamanho e destinação da área, para que se estabeleça equilíbrio econômico financeiro do contrato e não se viole os caros princípios da Administração Pública: da moralidade e do interesse público. Na eventualidade de o clube não aceitar a negociação, deve-se revogar a concessão”, dizia o relatório final.

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