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Igreja de pastor preso ganhou imóvel de R$ 8 milhões

Após ser curado de asma, francês doou apartamento em Copacabana à instituição; MP denunciou Marcos Pereira por estupro e coação

Por Marcelo Gomes e Rio
Atualização:

RIO - O luxuoso apartamento de frente para a Praia de Copacabana, na zona sul do Rio, que está em nome da Assembleia de Deus dos Últimos Dias (ADUD), foi doado em 2009 por um fiel da igreja, presidida pelo pastor evangélico Marcos Pereira da Silva, de 56 anos. Ele foi preso na noite de terça-feira, 7, pela Polícia Civil, acusado de estuprar duas fiéis. Na quinta-feira, 9, o Ministério Público denunciou o pastor pelos dois crimes de estupro, praticados em 2006 e 2009, e ainda por coação, crime praticado em março de 2012, segundo a Promotoria.

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De acordo com certidão do cartório do 5º Ofício do Registro de Imóveis da capital, à qual o Estado teve acesso, o apartamento foi doado à igreja pelo empresário francês Henri Bueno, de 78 anos. Na época, o imóvel estava avaliado em R$ 1,8 milhão. Atualmente, segundo a polícia, o apartamento - que ocupa um andar inteiro do edifício – vale R$ 8 milhões.

Em depoimento, o empresário disse que decidiu doar o imóvel porque sua família (ex-mulher e quatro filhos) o abandonou quando ele começou a apresentar problemas de saúde devido a questões financeiras na década de 90. Ele revelou que conheceu Marcos Pereira nos anos 70, quando o atual pastor trabalhava como balconista numa loja em São João de Meriti, mas perderam contato.

O francês contou que possui uma fábrica de roupas que chegou a ter mais de 3 mil funcionários. Ele quase foi à falência após o Plano Collor. Na ocasião, seus parentes tentaram interná-lo numa clínica psiquiátrica contra sua vontade. Devido aos atritos com a família, disse Bueno, começou a apresentar crises de asma. Em 2004, por indicação de um amigo, começou a frequentar a ADUD, onde reencontrou Marcos Pereira, e ficou curado da asma. Foi para se vingar da família que ele decidiu doar o apartamento à igreja. O Estado não conseguiu contato com o empresário na quinta-feira.

Lavagem de dinheiro - A Delegacia de Combate às Drogas (DCOD) está investigando o patrimônio de Marcos Pereira e da igreja. O objetivo é saber se o religioso utiliza a ADUD para lavar dinheiro do tráfico de drogas. Além do apartamento na Avenida Atlântica, em Copacabana, a polícia já sabe que estão em nome da igreja os prédios onde ficam sua sede, no bairro do Éden, em São João de Meriti, e suas quatro filiais (no bairro Parque Aliança, também em Meriti; na vizinha Duque de Caxias; e nos Estados do Paraná e do Maranhão). Uma fazenda em Nova Iguaçu, usada supostamente para recuperar dependentes químicos, e o Passat branco que Marcos Pereira dirigia quando foi preso também estão em nome da igreja.

O pastor visitou o traficante Marcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, chefe do Comando Vermelho, duas vezes em presídios federais fora do Estado do Rio. Além disso, duas irmãs de Marcinho VP são "missionárias" da ADUD. Uma delas é citada em depoimentos como tendo participado de orgias que o pastor fazia com homens e mulheres da igreja. O inquérito da DCOD foi aberto após o coordenador da ONG AfroReggae, José Júnior, acusar Marcos Pereira de ligação com o Comando Vermelho, e de ter orquestrado os ataques contra ônibus e bases da polícia que ocorreram no Rio em 2006 e 2010.

Denúncias - A DCOD instaurou seis inquéritos para investigar estupros supostamente cometidos por Marcos Pereira contra fiéis de sua igreja. Em dois deles, em que as vítimas alegam que foram forçadas a manter relações sexuais com o pastor, o Ministério Público já ofereceu denúncia à Justiça. Os crimes foram cometidos em 2006 e 2009. Quando há violência, o crime passa a ser considerado de ação penal incondicionada, isto é, a instauração de processo independe da vontade da vítima.

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Em outros três inquéritos, que estão com o Ministério Público, o religioso não poderá ser denunciado à Justiça. Isso porque estes casos ocorreram antes da mudança da lei que caracteriza o crime de estupro, em 2009. A lei anterior fixava prazo de seis meses para que a vítima denunciasse o autor quando o estupro não era cometido mediante violência. O prazo, no entanto, não foi respeitado.

E o sexto inquérito, na qual a vítima é a ex-mulher do pastor, com quem foi casada de 1984 a 1998 e tem dois filhos, ainda está sendo analisado na DCOD. Após acusar o ex-marido do crime em depoimento à polícia em 9 de julho de 2012, a mulher registrou em cartório um documento em que negava as declarações anteriores. Ela será novamente intimada a depor, segundo o delegado Marcio Mendonça.

Marcos Pereira também é investigado em outro inquérito da DCOD pelos crimes de associação para o tráfico, lavagem de dinheiro e quatro homicídios.

O MP também já denunciou Marcos Pereira e quatro comparsas pelo crime de coação no curso do processo. Eles são acusados de ameaçar uma pessoa que prestou depoimento num dos inquéritos da DCOD contra o pastor. Isso teria ocorrido em março de 2012.

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Na quinta-feira, 9, o Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) indeferiu liminarmente dois pedidos de habeas corpus ajuizados na quarta-feira pela defesa do pastor. Ele teve duas prisões preventivas decretadas na semana passada, pelas 1ª e 2ª Varas Criminais de São João de Meriti. Em seu despacho que negou o habeas corpus, o desembargador relator da 8ª Câmara Criminal alegou que a prisão de Marcos Pereira "é necessária para a manutenção da ordem pública". Já o relator da 3ª Câmara disse que o decreto de prisão "não se mostra flagrantemente ilegal". Agora, os habeas corpus serão encaminhados ao Ministério Público, que dará seu parecer. Em seguida, os méritos dos pedidos de liberdade serão analisados pelos colegiados das câmaras. Ainda não há data para que sejam julgados.

O advogado Marcelo Patrício, que defende o pastor, disse que ele é inocente e é vítima de "perseguição religiosa".

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