Hospitais de SP: o outro alvo da máfia da merenda

Além de pagamento de propina para ganhar contratos na rede de ensino, empresas são acusadas pelo MP de subornar diretores da Saúde municipal

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Por Bruno Tavares
Atualização:

A planilha cifrada que o Ministério Público Estadual (MPE) considera ser o mapa da propina paga pela chamada máfia da merenda faz referência a hospitais da rede municipal e à Secretaria de Abastecimento (Semab) de São Paulo. Também estão na lista 14 cidades do interior paulista, Maceió, Salvador, Recife, Paranaguá (PR), Palhoça (SC), São Luís e quatro municípios do Rio Grande do Sul.O que reforça as suspeita de que se trata de uma contabilidade paralela é o fato de que os nomes de cidades e repartições públicas supostamente beneficiadas pelos pagamentos estão alinhados a códigos, porcentuais, valores e datas. Uma testemunha ouvida por promotores decifrou o que seriam esses códigos. As informações foram o ponto de partida para que o MPE identificasse os responsáveis pelo suposto recebimento de propina nas gestões Marta Suplicy (PT) e José Serra (PSDB)/Gilberto Kassab (DEM). Seriam dois secretários de governo, cujos nomes são mantidos sob sigilo. Também foi com base no depoimento que promotores requereram à Justiça de São Paulo e Minas 21 mandados de busca e apreensão, cumpridos anteontem. Os alvos eram as residências de executivos e endereços de empresas suspeitas de integrar um cartel para fraudar licitações.Mapa. O código "S1", alinhado à inscrição "Hospitais SMS", indicaria propina de 5% sobre o valor do contrato firmado com a Prefeitura de São Paulo. Promotores recolheram indícios de que as empresas sob suspeita aliciavam dirigentes ou "candidatos" a diretores de hospitais da rede municipal da capital. Em troca de recursos para as campanhas informais, esses funcionários públicos se comprometeriam a contratar as empresas para o fornecimento de refeições aos pacientes.A sigla "Semab", que segundo a testemunha quer dizer Secretaria Municipal de Abastecimento, aparece três vezes na planilha. Ao lado, constam códigos "S2", seguidos pelas letras A, B e C. Seriam os indicativos para três diferentes faixas de propina, que variariam de R$ 3,3 mil a R$ 10,8 mil mensais. Na gestão Marta, o contrato da merenda terceirizada ficou sob a responsabilidade da Semab, cujo titular era Valdemir Garreta. Em nota, a gestão da ex-prefeita afirma que pautou seu governo pela ética e pela transparência e teve as contas aprovadas pelo Tribunal de Contas do Município (TCM) e pela Câmara Municipal.Além da planilha, os investigadores tiveram acesso a manuscritos, todos de papel timbrado da SP Alimentação, uma das empresas investigadas, com as inscrições "pgtos". Os papéis trazem nomes de cidades da Grande São Paulo e interior e valores. A SP Alimentação nega envolvimento em irregularidades. Informa ainda que Silvio Marques, executivo que teve a casa vasculhada anteontem, não trabalha mais na empresa. O nome dele, contudo, consta do registro civil da Ceazza Distribuidora, fornecedora que, segundo o MPE, integra o grupo SP Alimentação.O prefeito Gilberto Kassab diz que a Prefeitura está à disposição e é parceira do MPE nas investigações. Cotia. Em outro documento, de papel timbrado, da prefeitura de Cotia, consta a anotação "Fat Real", que seria uma abreviação para faturamento real, alinhada ao valor "321.355,18". No entanto, o total do pagamento relativo ao mês de dezembro foi de R$ 531.248,34.Mais abaixo, aparece a inscrição 15% e, ao lado, "31.000". Para o MPE, as anotações revelam superfaturamento de preço e o porcentual da propina paga pela SP Alimentação. "Essas anotações não foram feitas por mim e não sei a que se referem", afirmou Marcos Martinez, ex-secretário de Educação de Cotia. "Enquanto eu estive na prefeitura, a SP Alimentação sempre prestou um excelente serviço."PARA LEMBRARDenúncias de falhas vieram à tona em 2009Em 2009, o Ministério Público Estadual (MPE) encontrou indícios de que o sistema de merenda escolar terceirizada, adotado poucos anos antes, estava repleto de irregularidades. Para os promotores, havia um cartel das empresas fornecedoras e pagamento de propinas a gestores municipais para favorecer os participantes.Ao mesmo tempo, a qualidade do serviço era posta em dúvida. O Conselho de Alimentação Escolar (CAE) da capital paulista encontrou frutas estragadas e porções com irregularidades.Em 4 de agosto de 2009, promotores entraram com ação pedindo o fim da merenda terceirizada, mas a liminar foi negada. Três meses depois, grampos reforçaram os indícios de pagamento de propina. Nas ligações telefônicas interceptadas pela polícia, funcionários de fornecedoras de merenda conversavam sobre pagamentos a prefeituras.Na quinta-feira, promotores, fiscais da Receita estadual e policiais civis cumpriram mandados de busca e apreensão nas sedes das empresas suspeitas.

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