Haddad desvia verba de multa para ciclovia, diz Ministério Público

Promotor vê ‘pedalada’ e desvio de finalidade e quer ressarcimento de R$ 617 milhões; Prefeitura nega existência de irregularidades

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Por Juliana Diógenes e Rafael Italiani
Atualização:

Atualizada em 2/12 às 10h24

Depois de questionar ciclovias, abertura da Avenida Paulista e redução de velocidade, agora MPE abre ação contra Haddad por dinheiro de multas. Foto: Werther Santana/Estadão

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O Ministério Público Estadual (MPE) acusa a gestão do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), de usar o dinheiro da arrecadação de multas para construção de ciclovias na cidade. Ao menos R$ 25 milhões teriam sido destinados a vias segregadas para bicicletas, o que configuraria desvio de finalidade do uso dos recursos. A Prefeitura acredita que a aplicação é permitida.

Além da destinação para ciclovias, o MPE enxergou irregularidades no uso de R$ 15 milhões para implementação de terminais de ônibus, além de repasses de R$ 571 milhões para despesas operacionais da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) usados também para pagamento de salários. 

Nesta terça, o autor da ação, Marcelo Milani, da Promotoria de Patrimônio Público, expôs os principais desvios constatados pelo MPE. O promotor afirmou que há indícios de irregularidades na aplicação das verbas de multa desde 2010 e disse que vai apurar o comportamento em outras gestões. Em nota, a assessoria de imprensa de imprensa do ex-prefeito Gilberto Kassab afirmou que "considera fundamental a atuação do Ministério Público para garantir a ordem jurídica e os interesses da sociedade". Reitera ainda "que todos os atos da gestão seguiram a legislação e, como sempre ocorreu, se coloca à disposição para contribuir no que for necessário, em eventuais apurações que venham a ocorrer". 

Na ação civil pública por ressarcimento de danos e atos de improbidade administrativa, Milani alega que houve prejuízo de R$ 617 milhões aos cofres públicos e pede a devolução dessa quantia. A ação foi movida contra Fernando Haddad; o secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto; o ex-secretário municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico, Marcos de Barros Cruz; e o atual secretário de Finanças, Rogério Ceron de Oliveira.

Dos R$ 892 milhões arrecadados com multas em 2014, o maior gasto teria sido com despesas operacionais da Companhia de Engenharia do Tráfego (CET), incluindo pagamento de salários, encargos e tributos.

“A Prefeitura está pagando salários dos funcionários da CET, que é uma empresa pública, com dinheiro proveniente das multas. É um descalabro que se faça isso. É mais um indicativo de que estão usando multa como se fosse uma arrecadação paralela”, disse Milani. Ainda segundo o MPE, a Guarda Civil Metropolitana também recebe repasses dos valores arrecadados com multas.

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Pedalada. O promotor disse que a Prefeitura tem feito “pedalada” com dinheiro de multas no trânsito. Isso porque, segundo Milani, a gestão Haddad usa seis contas bancárias, incluindo as do Tesouro Municipal, para fazer a movimentação dos recursos de multas ao Fundo Municipal de Desenvolvimento de Trânsito (FMDT), quando deveria ser uma conta única.

De acordo com o promotor, o dinheiro “circula” tanto que não é possível identificar o caminho com “transparência”. “O Tribunal de Contas do Município no seu relatório foi categórico em dizer que é impossível localizar para onde está indo o dinheiro pela existência dessa multiplicidade de contas”, disse. “Nessas contas é que se faz uma verdadeira chicana com o dinheiro das multas.”

O presidente da Comissão de Trânsito da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Maurício Januzzi, afirmou que a ação do MPE é “pertinente” para esclarecer como o dinheiro das multas está sendo usado na capital. “A ação civil é necessária para fazer a Prefeitura dizer onde é empregado o recurso das autuações. É muito dinheiro só para pagar funcionários da CET”, disse Maurício Januzzi. 

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De acordo com o advogado, no entanto, a alegação da Prefeitura de uso do montante em obras viárias e outras políticas públicas de mobilidade urbana também é válida. “Se o dinheiro é proveniente de multa, ele pode usar para melhoramento viário. Todo o dinheiro arrecadado só pode ser usado em melhoria do sistema de viário e, tecnicamente ele usa nas políticas (de mobilidade urbana). As ciclofaixas dizem respeito a isso", afirmou.

O engenheiro e mestre em Transportes pela Universidade de São Paulo (USP) Sérgio Ejzenberg disse que a CET não pode ser custeada com dinheiro das multas e sugere que a Prefeitura use o fundo para investir na tecnologia e manutenção de semáforos.