Há êxtase, mas não nos enganemos

Outro Rio de Janeiro é possível. Mas ele não começa com a polícia subindo o morro. Começa com todo carioca que quiser subindo o morro

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Por e pedro.doria@grupoestado.com.br
Atualização:

Há um clima de êxtase no Rio de Janeiro. E nós, cariocas, gostamos de êxtase. Gostamos de nos sentir bem com a cidade. O perigo é que o êxtase, essa vontade danada de acreditar que tudo vai dar certo, nada tem a ver com a realidade. Os problemas com criminalidade, no Rio, não foram resolvidos no momento em que a bandeira nacional foi desfraldada no alto do Alemão.Faz uns 20 anos que o carioca convive com picos de violência extrema seguidos de calmarias. Na maioria das vezes, não afeta o cotidiano da classe média alta. Mas aí vem um arrastão na praia, outro num túnel, a televisão mostra um ônibus incendiado e todos entram em pânico. Lembram que ali em cima do morro tem um problema piorando a cada dia.Só há uma solução e ela não vem rápido. Mistura distribuição de títulos de propriedade, urbanismo, formalização da economia, pagamento de impostos por quem mora no morro, posto de saúde, saneamento, escola, agência bancária - o mesmo pacote, enfim, ao qual nós do asfalto temos direito. A Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) é o início, mas ela não é um fim.Não há solução, tampouco, se a polícia não começar a expurgar os seus. Porque o crime passa, também, pela polícia. Pela mesada que o legítimo dono do bar se vê obrigado a pagar, pela relação de sua banda podre com o tráfico, pela pequena corrupção do dia a dia.Nada disso foi atacado, no domingo, quando as forças subiram o Alemão para hastear sua bandeira.Alegria de carioca é contagiante. Não é que temos vocação para festa, como sugere o estereótipo. É que o lugar é bonito. Pegar engarrafamento no Aterro do Flamengo, Pão de Açúcar ao lado, será sempre uma experiência melhor do que encarar a Avenida 23 de Maio (via que liga as zonas sul e norte de São Paulo). E, depois da chuva, o sol abre bonito como o quê. Motivo para bom humor não falta.Aí, nos enganamos. Domingo foi assim. Todos dentro de casa, televisão ligada, nesse esforço coletivo de acreditar. Outro Rio é possível. Mas ele não começa com a polícia subindo o morro. Começa com as escavadeiras, os médicos, bancários, professores e, depois, todo carioca que quiser, subindo o morro.É JORNALISTA DE "O ESTADO DE S. PAULO"

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