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Grupo usa relatos da cracolândia para criar dança

Bailarinos entrevistaram viciados, policiais e usuários para montar[br]espetáculo que mostra o vício em crack sob nova perspectiva

Por Nataly Costa
Atualização:

Os movimentos típicos dos usuários de crack - o batido nas latas, os olhos vidrados e o eterno tatear nos bolsos em busca de uma nova pedra - foram a inspiração de cinco bailarinos para criar o espetáculo de dança Pipando... Onde Dormem os Pássaros, que estreia amanhã na Galeria Olido, em São Paulo. O grupo fez "laboratório" nas ruas da capital paulista, visitando os arredores da Praça Júlio Prestes, Avenida Rio Branco (região da cracolândia), Viaduto 14 Bis e Praça da Sé. O trabalho de pesquisa e entrevistas com drogados, ex-usuários, assistentes sociais, médicos e policiais durou cerca de um mês. A concepção da peça é do coreógrafo Pedro Costa, que também participa do elenco, além dos atores-bailarinos Lúcia Weber, Sérgio Luiz, Márcio Dantas e Roger de Paula. Cada um criou o seu personagem a partir dos relatos que ouviram, procurando traduzir a rotina e os sentimentos de um viciado. "Tivemos o cuidado de não deixar o espetáculo "bonitinho", porque não é o caso", afirma Dantas.A coreografia é dividida em três atos. No primeiro, os personagens se apresentam sóbrios, antes do contato com o crack. A partir do momento que saem em busca da droga, o trabalho corporal revela o que há de mais característico nos usuários: a degradação física provocada pelo crack. A postura, os membros e os movimentos dos personagens definham na medida em que eles se aprofundam no vício. Com cada um representando um tipo de viciado, o personagem central é vivido por Márcio Dantas, que interpreta a própria droga. "Ele fica no chão, como se fosse o peso da presença da droga na sociedade", conta. "Na peça, enquanto os outros personagens estão no fundo do poço, eu vivo um momento de ascensão."Já a personagem de Lúcia Weber é uma mulher altiva, aparentemente bem resolvida, que acaba perdendo a pose quando começa a se drogar. Ela diz que não se inspirou apenas nos usuários de crack na rua, mas em depoimentos de amigos e conhecidos. "Queremos mostrar quem são realmente essas pessoas, que não é um problema só da classe baixa."Convidado especial do elenco pela experiência com dança de rua, Roger de Paula interpreta em Pipando... um executivo estressado com o trabalho no escritório, que vê no crack uma forma de escapar da rotina. "Um dos policiais entrevistados na pesquisa falou que é impressionante o número de "noias" de terno e gravata, altos executivos, gerentes de banco. Me baseei no relato dele", conta Roger. Educação. Com o espetáculo, o idealizador Pedro Costa quer fazer um alerta aos mais jovens. "O crack em São Paulo já é pior que a cocaína ou qualquer outra droga. É uma situação que incomoda", diz Costa. "Antes, o problema da rua era muito mais a bebida, você via as pessoas com garrafas de cachaça. Agora, é o crack", afirma o dançarino Sérgio Luiz, cujo personagem reflete "um apanhado de vivências, a face abstrata da rua". Na interpretação dele, memórias de infância e vício se misturam - e isso é representado por bolinhas de gude que se "transformam" em pedras de crack.O espetáculo terá trilha sonora original, tocada ao vivo por Andrei Ivanovic e Wilson Ferreira. O grupo também vai promover encontros em escolas públicas e palestras após a apresentação para discutir o assunto com o público. A peça segue em cartaz até 23 de novembro, em vários endereços da cidade.PARA LEMBRAR Área espera início de obras de revitalizaçãoFamosa pelos "noias" que perambulam pelo local, a cracolândia, no centro da capital paulista, aguarda há tempos o cumprimento dos diversos projetos de revitalização propostos para a região. Segundo o prefeito Gilberto Kassab (DEM), a revitalização urbanística dos 53 quarteirões que formam a cracolândia deve começar, "na melhor das hipóteses", apenas no segundo semestre de 2011. No início do segundo mandato, Kassab disse que a ação era prioridade do governo. O Estado planeja ainda construir ali o Complexo Cultural Luz - conjunto de três teatros, orçado em cerca de R$ 600 milhões, que abrigará também a Companhia de Dança e a Escola de Música do Estado. A obra, no entanto, segue sem prazo para sair do papel. A demolição da antiga rodoviária de São Paulo, naquela região, recomeçou no início do mês.Serviço:GALERIA OLIDO (AV. SÃO JOÃO, 473, REPÚBLICA). DE AMANHÃ A 30/10, 20H. GRÁTIS (É PRECISO CHEGAR 1H ANTES). CEU VILA RUBI, DIA 4/11. BIBLIOTECA ÁLVARES DE AZEVEDO, DIA 6/11. CEU ALVARENGA, DIA 11/11. TEATRO JOÃO CAETANO, DE 12 A 16/11. BIBLIOTECA BELMONTE, DIA 18/11. TEATRO PAULO EIRÓ, DIA 23/11

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