Grupo Artivistas faz da cidade de São Paulo um lugar de protestos

Artistas Fernanda Bueno e Kleber Pagu criam frases provocativas para ‘convidar à reflexão’ por meio da arte

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Por Gonçalo Junior
Atualização:

A bailarina Fernanda Bueno e o produtor cultural Kleber Pagu se conheceram nas comemorações dos 50 anos do Balé da Cidade de São Paulo, no Teatro Municipal, em 2018. Ela era a solista do balé A Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky. Ele, o responsável por criar um projeto artístico que compartilhasse a data com a cidade.

A parceria deu liga em vários aspectos. No plano pessoal, eles se casaram. No lado profissional, a união vem mudando a cara da cidade. No dia 20 de novembro do ano passado, os dois lideraram o grupo que pintou na Avenida Paulista a frase “Vidas pretas importam”. Essa foi a forma que encontraram para protestar contra o assassinato de João Alberto Freitas no Carrefour de Porto Alegre (RS). Pelo ato, eles cancelaram as celebrações do aniversário de casamento, que cai no mesmo dia.

Para os artistas Kleber Pagu e Fernanda Bueno 'a arte urbana é muito mais do que colorir a cidade' Foto: FELIPE RAU/ESTADAO

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Esse foi o nascimento simbólico do Artivistas, movimento que vem fazendo provocações sociais na cidade por meio da arte. O grupo enxerga prédios e avenidas como bandeiras ou telas em branco à espera de uma manifestação que dê um novo sentido ao espaço e à relação das pessoas com o lugar. Em geral, eles pintam mensagens ligadas aos problemas sociais – históricos ou recentes – que são convites à reflexão. “As frases são palavras de ordem, uma maneira mais objetiva de convocar à ação”, explica Fernanda, que, aos 36 anos, forma-se em Jornalismo neste ano.

Desde novembro já foram realizadas oito manifestações em vários pontos da cidade. Cada dizer está associado ao local onde foi escrito. O primeiro foi feito no ponto de encontro obrigatório das principais manifestações da cidade: a Avenida Paulista, nas proximidades do Museu de Arte de São Paulo (Masp).

O Estadão convidou os dois para revisitar a intervenção no Elevado João Goulart, o popular Minhocão, que acolhe a frase “Silêncio é apagamento”. Ali, o intuito é denunciar que o descaso da sociedade diante da população de rua é uma forma de apagar a existência dessas pessoas. “Você contribui com a continuidade dessa situação quando olha, vê, ouve e finge que não é com você”, cutuca Kleber Pagu, codinome de Kleber Barros Dias, de 34 anos.

Em alguns locais, a interação com a população tem sido imediata. Enquanto escreviam a frase “Pare o abuso de poder”, na Ponte Octávio Frias de Oliveira – a Estaiada –, na zona sul, em dezembro, os organizadores receberam a visita de uma família da região. Eles viram a notícia da manifestação pela TV e foram até lá apenas para contar o que viviam. Racismo. Nesse sentido, a frase escrita no asfalto foi um apoio, um afago.

Mas nem sempre a mensagem é bem recebida. Há contestações. Na Avenida Paulista, muitas pessoas disseram que “todas as vidas importam, não só as pretas”. Nesse aspecto, explica Fernanda, as frases são direcionadas também, como um chacoalhão, para quem pratica a violência.

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A paixão dos dois pelas paisagens urbanas vem da infância. Aos 10 anos, a então futura bailarina participava de telegramas animados na empresa de eventos do tio. Dançava e animava vários lugares da cidade. Ele vendia as vassouras e os rodos produzidos pelo pai saindo de porta em porta em Osasco. O Estadão conversou com os dois separadamente. Agendas complicadas: Fernanda tem ensaios diários no Teatro Municipal; Pagu está sempre na rua. Juntos, eles administram a empresa de gestão de projetos culturais Axé no Corre.

Para os próximos trabalhos, as frases devem dar espaço a outras linguagens, como a dança, teatro e as projeções cinematográficas. Não dá para chamar o grupo de coletivo porque a formação muda a cada ato. Não são sempre os mesmos artistas nas obras. A cada ação, eles fazem uma convocação nas redes sociais, indicando horário e local da intervenção. 

Kleber Pagu e Fernanda Bueno pintaram frases como 'Vidas Pretas Importam'e'Vacinas para todos'na cidade Foto: FELIPE RAU/ESTADÃO

As novas intervenções atualizam a lista de projetos da dupla, alguns deles, polêmicos. Pagu é idealizador do Aquário Urbano, grande mural que inclui fachadas de 15 edifícios nas Ruas Major Sertório e Bento Freitas, na região central. Um dos prédios envolvidos não autorizou a intervenção, conseguiu interrompê-la com dois boletins de ocorrência e uma decisão judicial favorável. Pagu chegou a receber voz de prisão em flagrante ao pintar a empena (lateral) do Edifício Renata Sampaio de Ferreira. Foi liberado e responde por crime ambiental. 

Para resolver essas questões, o casal idealizou um projeto de lei que tramita na Câmara para criar uma legislação específica para a arte urbana na cidade, apresentada pelo vereador Quito Formiga (PSDB), tendo como coautores Eduardo Suplicy (PT), Toninho Vespoli (PSOL) e José Police Neto (PSD). 

O projeto também prevê o reconhecimento de diversos corredores culturais, desde a região central até áreas da periferia. “A arte urbana vai muito além de colorir a cidade. Estamos falando de arte, turismo, cultura, economia criativa, educação, segurança e transformação urbana”, diz Pagu.

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