Gestão do Conjunto Nacional acusa na Justiça ex-síndica de fraudes que somam R$ 29,8 mi

Vilma Peramezza administrou condomínio por 34 anos e deixou posto em março. Edifício ícone de São Paulo tem 3 edifícios de 25 andares e taxa condominial mensal que chega a mais de R$ 90 mil

PUBLICIDADE

Por Felipe Resk
Atualização:
Encravado na Avenida Paulista, o Conjunto Nacional tem público circulante de cerca de 30 mil pessoas por dia Foto: JF Diorio/Estadao

SÃO PAULO - A atual gestão do Conjunto Nacional acusa na Justiça a ex-síndica Vilma Peramezza de ter operado um esquema que fraudou pelo menos R$ 29,8 milhões na administração do edifício, ícone de São Paulo, nos últimos dois anos. Substituída recentemente do cargo, ela nega irregularidades e diz ter feito uma administração “transparente, correta e eficiente”.

PUBLICIDADE

Encravado na Avenida Paulista desde 1956, o Conjunto Nacional tem público circulante de cerca de 30 mil pessoas por dia. São três edifícios de 25 andares, com residências e comércios, além de cinema, teatro e academia. Lá, estabelecimentos maiores chegam a pagar mais de R$ 90 mil por mês de taxa condominial.

Vilma era responsável por administrar as contas do Conjunto Nacional desde 1984. Em março, ela não concorreu à última eleição e deixou o posto depois de 34 anos. Hoje, a gestão é feita pela Sociedade Administração e Melhoramentos Urbanos (Samu), que move ação cível e medida criminal contra a ex-síndica.

Ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a Samu disse ter se deparado com a conta corrente negativa e com uma série de dívidas que teriam sido omitidas do Conselho Fiscal e Consultivo do condomínio. O desfalque incluiria débitos com bancos, empresas de fomento mercantil (factoring), fisco e previdência. O valor foi apontado por auditoria privada (a Alonso, Barretto & Cia), contratada pela Samu.

À Justiça, a administradora (a Samu) diz que o dinheiro teria sido desviado para alimentar um suposto esquema envolvendo contratos superfaturados com o empresário João Paulo Miguel, ligado à JP Miguel & Engenharia Eireli, que prestou serviço por 30 anos no Conjunto Nacional e era responsável por manutenção predial, reformas e obras estruturais. Ele alega que a acusação é falsa.

Foi a própria JP Miguel quem deu início à disputa judicial, em maio, cobrando da nova gestão pagamentos de serviços que teriam sido prestados entre novembro de 2018 e janeiro deste ano, que somam R$ 2,2 milhões. Logo após a troca de síndico, a empresa teve dois contratos rompidos unilateralmente pela Samu: um de 2004 e outro de 2017.

Disputa

Publicidade

Cobrada na Justiça, a Samu entrou com pedido de reconvenção - quando a ré passa a acusar o autor no mesmo processo. Ela alega que os acordos rompidos serviriam, na verdade, para “simular” a saída de dinheiro. Para fazer caixa, a ex-síndica teria, entre outros recursos, vendido boletos de condomínio frios a empresas de factoring e pago salários acima do valor de mercado em troca de empréstimo bancário para o condomínio.

“Vilma desviava recursos que seriam para pagar obrigações legais e repassava a JP Miguel”, afirma o advogado Luís Carlos Dias Torres, que representa a Samu na esfera criminal. “Formaram uma verdadeira organização criminosa que se instalou no seio do Conjunto Nacional.”

Segundo a Samu, o condomínio desembolsou, em média, R$ 800 mil por mês à JP Miguel na soma dos dois acordos em 2018. Hoje, os mesmos serviços teriam sido recontratados por R$ 99 mil, o que indicaria sobrepreço de 700%. Além disso, embora um dos contratos previsse remuneração variável, os repasses seriam “iguais” e “em valores redondos”, incompatíveis com o modelo de pagamento, diz a administradora.

A Samu incluiu na ação depoimentos atribuídos a ex-funcionário e formalizados em ata notarial. Um dos documentos afirma: “Desconfiava de algo errado porque atrasavam salários, não recolhiam impostos, mas pagavam mensalmente o JP Miguel”. Outro diz: “O primeiro beneficiado (...) era a JP, então se definisse aumento de 10% na taxa condominial para reverter o déficit, os 10% se perdiam porque iam tudo para o contrato da JP”.

PUBLICIDADE

Segundo depoimento, parte dos repasses acontecia sem nota fiscal. O condomínio também assumiria despesas próprias da JP Miguel, fazendo pagamentos duplicados, e manipularia balanços negativos para “ficarem positivos e serem apresentados ao Conselho”.

A ação acusa, ainda, a participação da ex-conselheira fiscal Selma Feldman no suposto esquema. Embora fosse responsável por analisar contas do condomínio, ela é sócia de Miguel na Felmi Empreendimentos e Comércio Ltda.

Essa e a empresa Feldman Assessoria de Negócios Ltda., também ligada a ela, teriam recebido mais de R$ 2,4 milhões relativos a contratos da JP Miguel com o condomínio, conforme relatório da auditoria. A segunda empresa é contratada para prestar serviço a Miguel. Para a Samu, os repasses seriam evidências de que eles repartiriam dinheiro desviado. Selma nega irregularidade.

Publicidade

Segundo a Samu, o trabalho de auditoria teria enfrentado "grandes dificuldades" por causa da suposta ausência de documentos de guarda obrigatória e a análise retroagiu cerca de dois anos da última administração. A gestão atual afirma que houve “apagamento de dados dos sistemas de informática do Conjunto Nacional”, além de indícios de que parte dos comprovantes foi incinerada ou triturada na garagem do edifício. “Os R$ 30 milhões são só uma fotografia”, diz Dias Torres. “Podemos estar falando de um desvio muito maior.”

Com 25 andares, Conjunto Nacional conta com residências e comércios Foto: JF Diorio/Estadao

Defesa

Em altaSão Paulo
Loading...Loading...
Loading...Loading...
Loading...Loading...

O Estado procurou Vilma Peramezza às 13h48 da última sexta-feira, 27. No primeiro e-mail, respondido às 18h18, declarou: “Não tenho nada a dizer sobre o assunto”. Às 19 horas, a ex-síndica enviou nova mensagem. “O local adequado para respostas a esses assuntos são os autos processuais no momento e oportunidades da lei”, escreveu.

Vilma chegou a mandar um terceiro e último e-mail. “Quanto ao questionário que vc me enviou quero dizer que: todas essas afirmações ali feitas por terceiros são falsas”, disse. “Os assuntos são objeto de ações em juízo onde me manifesto nos tempos e condições que a lei me concede. A gestão do CCN (Conjunto Nacional) que me foi delegada por 35 anos foi feita da forma mais transparente, correta e eficiente tendo sempre recebido elogios públicos dos condôminos e da imprensa.”

Por sua vez, o advogado Renato Moraes, que representa Miguel, afirma que a auditoria foi “realizada unilateralmente” e seria de “duvidosa qualidade técnica”. Segundo ele, os depoimentos de funcionários também foram colhidos “sob condições muito obscuras”.

Para Moraes, a acusação do suposto esquema seria para “evitar pagamento da dívida” cobrada na Justiça. “A conduta adotada pelos representantes do Conjunto Nacional (...) configura possível obtenção de vantagem ilícita (...), fato que está sendo investigado em inquérito policial instaurado para apurar o delito de estelionato”, diz. Além disso, a JP Miguel entrou com três ações cíveis para cobrar os supostos calotes.

Ele nega superfaturamento e diz ser “impossível” comparar os custos com a nova prestadora de serviço,  por se tratar de escopos diferentes. “A nova empresa (...) apenas realiza manutenção predial, ou seja, serviços cotidianos e não serviços estruturais e obras.”

Publicidade

Entre as obras atribuídas à JP Miguel, o advogado cita reforço da instalação de energia elétrica e de gás encanado, além de piso de granito em corredores e halls. “Todas as previsões orçamentárias e prestações de conta (...) foram aprovadas pelo Conselho Fiscal e Consultivo e pela Assembleia condominial”, afirma.

Moraes alega que o Grupo Savoy, da qual a Samu faz parte, é proprietária de 40% das unidades do Conjunto Nacional. Por isso, teria “controle sobre a assembleia” e “todas as questões relevantes relacionadas” ao condomínio.

Segundo afirma, o Conselho Fiscal era formado por três membros - dois dos quais indicados pelo Savoy. “Logo, mesmo que houvesse eventual conluio no caso (com a ex-conselheira Selma Feldman), isso seria insuficiente para aprovar as contas do condomínio.”

Já Selma diz ter sido “surpreendida” com ação e que, até o momento, a sua citação não foi apreciada pelo juiz - motivo pelo qual não se consideraria parte do processo. “Minha função era verificar, junto com meus colegas de Conselho, se as contas apresentadas estavam comprovadas e sempre confirmamos em conjunto que havia regularidade”, diz.

Selma confirma ter uma empresa contratada por Miguel para administrar despesas do empresário  - motivo pelo qual já teria tido acesso a cheques destinados a ele. “Depois de efetuarmos todos esses pagamentos previamente programados, prestamos as contas ao Sr. João Paulo, devolvendo ao mesmo eventuais valores remanescentes”, afirma. “Minha empresa jamais foi beneficiária de quaisquer valores originados do Conjunto Nacional.”

Ela, no entanto, alega que Vilma foi historicamente eleita como subsíndica na chapa da Savoy. “Aliás, a síndica de direito, eleita mais uma vez, como sempre fez nos últimos 38 anos (...), continua sendo a mesma Samu”, afirma.

Procurado, o Grupo Savoy diz que “tais fatos sempre foram omitidos aos conselhos”. “Nos anos em que a sra. Vilma atuou como síndica houve renúncia do Grupo Savoy, sendo este tão lesado quantos os demais condôminos.”

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.