"Vai passar um furacão", anunciou o Vai-Vai pouco antes de voltar a desfilar pelo grupo especial de São Paulo depois de um carnaval no Acesso I. "Retornando para o local que nunca deveríamos ter saído", destacou o presidente da agremiação, Clarício Gonçalves, pouco antes das 23 horas de sábado, 23. Mestre Tadeu, à frente da bateria da escola há décadas, resumiu ao Estadão: "Vamos dar um show". Ao lado dele, também desfilou o maestro João Carlos Martins, que regeu os ritmistas quando foi homenageado, em 2012, e agora retornou. "Eu sou Vai-Vai", disse.
No entorno, equipes de apoio e foliões vibravam, cantavam, sambavam, batiam palmas e registravam o retorno histórico antes mesmo de cruzar a pista. No desfile, o samba era cantado alto por componentes e espectadores nas arquibancadas. O Vai-Vai desfilou o enredo “Sankofa!”, inspirado em uma ave sagrada africana, relacionada ao ensinamento que “nunca é tarde para voltar atrás e buscar o que ficou perdido”.
A proposta do enredo conversa com a trajetória da escola, nascida em 1930, como cordão, e uma das mais tradicionais e maiores vencedoras do carnaval paulistano, que retorna após um ano no Acesso I, no qual saiu campeã em 2020.
Na comissão de frente, seis mulheres negras desfilavam dentro de estruturas e utilizavam alegorias na cabeça que remetiam a uma árvore antiga, simbolizando as origens africanas do samba. Em parte da coreografia, davam à luz a bebês. À frente, bailarinos com roupas metálicas surgiam abaixo das estruturas, com fantasias douradas e prateadas. Na parte do samba "a tradição que resistiu", erguiam os punhos.
Logo após, as baianas desfilaram com as integrantes mais veteranas nas primeiras fileiras, com uma faixa no peito: "Velha Guarda". O mestre-sala e a porta-bandeira vestiam trajes que remetiam às origens africanas do samba.
O abre-alas trazia uma aranha antropormorfa articulada, enquanto as laterais mostravam zebras e outras referências africanas, incluindo uma divindade negra com quatro braços e quatro pernas. Logo atrás, uma ala exibia o símbolo sanfoka, de uma ave que se volta à própria cauda e que serviu de inspiração para o enredo. O mesmo símbolo foi exibido no chapéu dos ritmistas da bateria.
O enredo é do carnavalesco Chico Spinoza. Já o samba-enredo é de autoria do cantor Xande de Pilares e de Rodrigo Peu, Claudio Russo, Junior Gigante, Jairo Limozine, Silas Augusto, Zé Paulo Sierra e Bruno Giannelli.
O samba faz alusões à trajetória da própria escola, citando nomes históricos como o sambista Geraldo Filme e Dona Olívia, uma dos fundadores. “Tambor africano de negra bravura/ É o mesmo tambor da Saracura/ Quilombo do samba não morre jamais/ Eu sou Vai-Vai.”
No segundo carro, parte do forro era de resina semelhante à de sacos de lixo em meio a esculturas douradas de referências africanas. Nas alas seguintes, o preto, o dourado e estampas africanas predominaram, assim como os carros alegóricos mais altos que as torres dos jurados e as arquibancadas. Uma chuva de papel picado recebeu a ala das crianças. A memória de baluartes da escola foi lembrada no último setor. Ao cruzar o portão da dispersão, a emoção ficou ainda mais latente entre os integrantes, entre abraços, lágrimas e sorrisos e ao som de "O Vai-Vai é campeão do carnaval paulista. É a tradição da Bela Vista."
'Foi horrível ficar dois anos sem carnaval'
Com ingressos esgotados, as arquibancadas estavam cheias, mas não lotadas. Entre os que foram assistir ao Vai-Vai, estava o empresário Samir Bonifácio, que frequenta o carnaval há 35 de seus 42 anos. "Foi horrível ficar dois anos sem carnaval. O carnaval é a maior festa do País", disse.
A técnica de enfermagem Elisabete de Souza Dias, de 54 anos, nascida no Bixiga e que estreou no Vai-Vai na ala das crianças, estava na arquibancada neste ano. Ela levava uma toalhinha da escola porque sabia que iria se emocionar. "Já estamos aqui, com o coração na mão", comentou ao Estadão antes do desfile.
Já a aposentada Edina Ramos, de 60 anos, elogiou o enredo, que considerou ter tudo a ver com o momento da escola, de buscar a recuperação das origens após um ano no Acesso I. "Está tudo muito bonito, com uma pegada boa."
Também na arquibancada para acompanhar os desfiles, o estudante Matheus Garrido, de 18 anos, estava trajado com as cores da Rosas de Ouro, que passou a frequentar por influência do pai, que joga no Arco Futebol Clube, ligado à escola. Ele também estava ansioso pela passagem da Gaviões da Fiel e do Vai-Vai. "Quero muito ver."