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'Fui acompanhando a destruição de um ano de trabalho'

Gente que trabalha até de madrugada nos barracões ainda dormia quando o fogo começou; rapaz teve de se jogar do quarto andar

Por Bruno Boghossian , Marcelo Auler e Roberta Pennafort
Atualização:

Saimon Garcia acordou às 7 horas de ontem ao sentir um cheiro incomum de fumaça no quarto andar do barracão da Grande Rio, onde costuma dormir quando as noites de trabalho se estendem pela madrugada. Em segundos, viu pela TV, ligada, imagens feitas por helicópteros que mostravam labaredas em um dos blocos da Cidade do Samba e entrou em pânico. O aderecista precisou arrombar uma porta e pular de uma altura de quase dez metros. Foi salvo por um enorme boi de espuma, que compunha uma das alegorias.

"Eu estava dormindo porque trabalhei até as 3h30. Quando acordei, já estava tudo pegando fogo. Olhei para a televisão e ouvi o repórter dizer que a Grande Rio era uma das escolas atingidas. Fiquei no maior desespero, mas não consegui descer as escadas e me joguei. Consegui cair, não sei como, em um carro alegórico", contou, após escapar apenas com arranhões. Nas últimas semanas antes do carnaval, é comum que integrantes das escolas durmam em colchonetes no chão. Para quem chegou de manhã para trabalhar, foi um choque constatar que toda a produção havia virado cinzas. Roberto Szaniecki, carnavalesco da Portela, havia saído da Cidade do Samba às 3 horas. "Das fantasias, a gente não recupera nada. Vai ter de ser uma outra linguagem." Cahê Rodrigues, carnavalesco da Grande Rio, estava desolado. "É assustador. Acordei vendo na TV: primeiro Ilha, depois Portela, depois Grande Rio. Fui acompanhando a destruição de um projeto de um ano de trabalho." Hipertenso, o presidente da União da Ilha, Ney Filardi, há 39 na escola, lamentava a impossibilidade de refazer as fantasias. "Não se tem disponibilidade de tecido no mercado, falta dinheiro e ainda tem aquilo que o dinheiro não compra: o tempo. Para fazer de acordo com os protótipos, levaríamos de três a quatro vezes mais tempo do que estes 30 dias. Se for o caso, vamos de short, camiseta e descalços." O temor de novos incêndios se espalhou por outras escolas. "Nós não perdemos nada, mas vamos ajudar se pudermos, porque a nossa união é muito grande", conta a costureira Andréia de Aquino, da Vila Isabel. "Mas agora a gente fica morrendo de medo de que aconteça de novo. Será difícil trabalhar de madrugada por aqui."

 

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