Feliz aniversário?

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Por HUMBERTO WERNECK
Atualização:

Dona Alzira tem tanto medo da morte que às vezes pensa em morrer antes. E acha que tem jeito bom e jeito ruim de ir-se deste mundo. Se pudesse escolher, morreria em gozo de perfeita saúde e como as divas do cinema dos anos 40, só que em cores: cabeça pousada num travesseiro rosa, cabelos artisticamente esparramados na fronha de seda, rosto com discreta maquiagem iluminado pela chama de uma vela. No instante extremo, a que não faltaria um fundo de violinos, sua expressão se abriria num esboço de sorriso e a cabeça, devagarinho, penderia para o lado, enquanto quase se poderia ouvir o clap-clap da alma batendo asas rumo ao poleiro celestial. Nada de bocão escancarado e beiços ressequidos através dos quais costuma vir à superfície o ronco estertoroso dos agonizantes.Seria o jeito ideal de morrer. Se lhe couber, porém, outro tipo de óbito, por atropelamento, digamos, Dona Alzira roga aos Céus que a poupem da ignomínia de ser colhida por uma alquebrada Kombi na Rua 25 de Março, ou mesmo Kombi nova na Oscar Freire. Acha que mereceria um Jaguar num boulevard parisiense, em dia de primavera. A estatueta metálica do felino, no bico do capô, lhe atingiria direta e cirurgicamente o coraçãozinho, sem causar demasiado estrago. Entre outros desfechos indesejáveis, Dona Alzira pede que o Altíssimo não lhe dê a morte macaca. Ouviu falar? Em Portugal, é a morte desastrosa ou inglória; aqui, nem tanto, ou mesmo o contrário, informa Pedro Nava: é a que sobrevém durante o ato sexual. Dona Alzira não conhecia o nome, mas sabia de uns camaradas que caíram duros, malícia à parte, em pleno entrevero carnal. Seu pai contava o caso de Félix Faure, o presidente francês que no apagar das luzes do século 19 se apagou também, acoplado à amante. Esbaforido, o médico chegou ao palácio perguntando se o presidente conservava a consciência. Não, respondeu alguém, ela saiu pela escada de serviço. Para não ensejar galhofa, Dona Alzira quer distância da morte macaca, inclusive porque ela, numa dupla fatalidade, lhe viria nos braços do Valter, o estrupício com quem em má hora se casou.Se ultimamente voltou ao tema das modalidades mortuárias, foi por ter lido no jornal uma notícia perturbadora. Imagine, me conta, o que estão dizendo uns cientistas na Suíça: que a partir dos 60 anos aumentam as chances de você morrer no dia do aniversário. Isto mesmo: ser velado no dia de soprar as velas. Em vez de velinhas no bolo, os convidados encontrariam círios em torno do caixão. Já pensou o susto?E o pior, diz Dona Alzira, é que os cientistas parecem gente séria. Recorte de jornal na mão, me conta que eles estudaram nada menos de 2,4 milhões de falecimentos. Qualquer pessoa, vai lendo, não importa a idade, tem uma chance em 365,25 de esticar as canelas no dia do aniversário. Menos os sortudos de 29 de fevereiro, inveja Dona Alzira, pois para eles a probabilidade é de uma em 1.461.Passou dos 60 anos, a coisa muda: 14% das pessoas correm risco de trocar os brigadeiros pelo cravo de defunto ao completarem mais uma primavera, na verdade outono, se não inverno. O risco de morrer de infarto nesse dia sobe para 18,6%. De AVC, 21,5%. Por suicídio, 34,9%. A explicação, supõem os suíços, pode estar na comilança & bebelança a que se entregam muitos aniversariantes. Tanta fração - 0,6%, 05%, 0,9% -, suspira minha amiga, denota rigor, sinal de que os tais cientistas não estão equivocados.O que mais a deixa agoniada não é só já ter ultrapassado, e muito, a marca dos 60, mas a iminência de mais um aniversário. Cai no fim deste mês - e eis que o verbo cair, de uns tempos para cá motivo de cuidados, virou agora obsessão. Por que não revogam a lei da gravidade para a velharada? Banheira, nunca mais. Adeus, tapetinhos e pantufas. Dona Alzira já decidiu: enfrentará a data fatídica sentadinha na poltrona. Começa a se acostumar com a ideia de que o último suspiro possa apagar as 70 e muitas velas de seu bolo. Menos mal, em todo caso, que a Kombi na 25 de Março ou a morte macaca nos braços do Valter.

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