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F. é 'precoce' e se nega a viver nas condições em que vive

Sem esperanças de recuperar o filho, pais ficaram satisfeitos com a possibilidade dele ficar em abrigo

Por Vitor Hugo Brandalise e de O Estado de S. Paulo
Atualização:

Por trás das ocorrências, a história de um garoto precoce, que se nega a viver nas condições em que vive - em um sobrado humilde do Jardim Ubirajara, convivendo com garotos mais velhos, sem dinheiro para comprar as roupas que deseja. Texto publicado em agosto de 2008, quando F. foi detido pela oitava vez. Depois da última ocorrência, em outubro, F. foi levado a um abrigo, por ordem da Vara da Infância e Juventude do Fórum de Santo Amaro. Sem esperanças de recuperar o garoto sozinhos, os pais ficaram satisfeitos. "Já não sabíamos mais o que fazer. Era um bom menino, mas estava descontrolado", diz o pai, L. "Assim será melhor. Nós não conseguíamos mais", conforma-se a mãe, E. "Esperamos que ele volte. Ele vai voltar melhor." Para o casal, o problema era, essencialmente, financeiro. "Ele queria sempre mais. Cuidava de tudo o que é dele, mas sabe-se lá como é que conseguia tudo o que tinha", diz a mãe, da cozinha da casa de quatro cômodos, sem pintura interna nem externa, onde vive a família - além do casal, duas filhas, de 6 e de 16 anos, e, ao menos por algum tempo, não mais o menino F. A renda da família é de R$ 460. Desempregado desde 2005, o pai recebe R$ 220 de um inquilino que aluga um quarto nos fundos da casa da família. A mãe, como diarista, recebe R$ 240, por três dias de trabalho na semana. "Nunca faltou arroz, nunca faltou feijão. Mas às vezes ficamos sem bife. Era nessas horas que o F. mais se revoltava", conta o pai. "O problema era à tarde, quando ele saía para dar seus ‘rolês’", diz ela. Nos registros da Secretaria da Segurança Pública constam motivos variados para as sete vezes em que F. se envolveu em ocorrências policiais: três furtos de automóveis - em agosto deste ano; direção sem habilitação duas vezes, em 31 de outubro de 2007 e em 26 de abril deste ano; furto e arrombamento de loja, em 28 de junho; e finalmente, em 17 de agosto, desacato à autoridade e atentado ao pudor (no registro consta somente que ele teria abaixado a calça e mostrado os órgãos genitais - não há confirmação de para quem). Por ainda não ter 12 anos - completados em 5 de setembro -, o garoto não podia ser encaminhado à Fundação Casa. Em contraste com a renda da família, os dividendos do garoto - a julgar pelos objetos que possui -, eram bem maiores. "É um menino vaidoso, que gosta de coisa boa", conta o pai. No quarto de F., enquanto a mãe fazia as malas para levar ao garoto no abrigo, se amontoavam em cima da cama nove bermudas, três calças jeans, dez camisetas e cinco blusas de moletom - tudo com etiquetas de marcas famosas; a maioria, roupas de surfistas e skatistas. No chão, quatro pares de tênis - um deles, segundo a irmã de F., custou cerca de R$ 500. "Não era nada de camelô, não", diz ela. As roupas, segundo a família, eram compradas no Shopping Interlagos - quase sempre, F. trazia consigo a nota fiscal, comprovando a compra. Apesar da condição da família e dos preços das roupas - "pelo menos R$ 40 a bermuda, R$ 25 as camisetas de marca, R$ 120 as calças jeans e R$ 70 as blusas", diz a irmã - desde 2005, quando o pai perdeu o emprego, F. jamais pediu dinheiro aos pais. "Sabíamos que ele tirava as coisas de outras pessoas, mas não tinha como manter o F. em casa. Só algemando", diz a mãe. "Mas ele era carinhoso, sorridente, fazia coisas que nos surpreendiam, como o que fez com o Bigode." Bigode é o cachorro da família, um vira-lata - que, para surpresa da família, semanas atrás voltou de banho tomado e pêlo tosado. Presente de F., a R$ 35 num pet shop. A paixão por carros, segundo a família, vem desde cedo: a primeira vez que dirigiu um veículo sem autorização foi em 2005, aos 8 anos, quando aproveitou o descuido de um tio - ele tomava conta de um trator num sítio em Jaú, se descuidou e, quando viu, o garoto dava a partida. "Andou uns 30 metros o pilantra", diz o pai. "Desde pequeno, gostava muito. Isso pode ajudar a entender. Mas, sinceramente, não sei." A mãe tem explicação: para ela, o problema foram as companhias do garoto, desde quando deixou a escola - ele completou somente a primeira série do ensino fundamental e sabe somente escrever seu nome. "Com certeza, foram esses amigos dele. Com 8 anos, o F. andava com garotos de 12, 13", diz. "Ele cresceu rápido demais." A mãe exemplifica com um fato. Passando uma calça de F., ela sentiu um volume no bolso - dentro, uma camisinha. "O F. sempre foi um garoto precoce." Texto publicado em agosto de 2008, quando F. foi detido pela oitava vez.

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