Estrutura ruim e déficit de pessoal fazem perícia demorar mais de 5 horas no interior de SP

Um terço das vagas para perito criminal está ociosa; relatório do TCE obtido pelo 'Estado' mostra laboratórios precários no IC e IML

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Por Túlio Kruse
Atualização:

Atualizado às 17h55

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Ferido com um misterioso corte no pescoço enquanto dirigia sua motocicleta entre as cidades de Campinas e Monte Mor, no interior paulista, José Cipriano Silva Filho morreu no asfalto da rodovia SP-101 enquanto era socorrido por uma ambulância em janeiro deste ano. A família, os policiais e o serviço funerário esperaram mais de cinco horas pela perícia criminal, que não chegou. Pressionado pela família, que já velava o corpo no acostamento da estrada, o delegado responsável pediu que o corpo fosse retirado mesmo sem o exame pericial - e sem saber o real motivo do corte, possivelmente causado por uma linha de pipa com cerol.

No momento do acidente, o perito responsável pelo caso estava atendendo a outra ocorrência na divisa entre Limeira e Piracicaba, a cerca de 80 quilômetros de distância. Em uma região com nove cidades e mais de um milhão de habitantes, ele era o único profissional naquele horário de plantão.

Perícia criminal de São Paulo está entre as quatro menos eficientes do Brasil, segundo última pesquisa sobre o tema Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A espera excessiva é um problema comum gerado pelo déficit de peritos criminais no Instituto de Criminalística, órgão ligado à Polícia Científica. Um terço das vagas para perito criminal no Estado de São Paulo estão ociosas. De um total de 1735 postos de trabalho na categoria, faltam 576. As admissões desde o último concurso para a categoria, iniciado em dezembro de 2013 com 558 vagas, foram superadas por aposentadorias, exonerações ou mortes de profissionais que estavam na ativa. Menos de 20% dos aprovados assumiram suas vagas mais de um ano após a abertura do processo.

Enquanto 111 concursados chegaram para reforçar as equipes, 129 postos de trabalho ficaram ociosos. A defasagem é agravada pela perspectiva de aposentadorias em massa entre peritos criminais e fotógrafos nos próximos anos. Entre os funcionários da Polícia Científica, 54% têm de 21 a 30 anos de tempo no serviço público, e outros 14% têm mais de 30 anos de experiência no funcionalismo estadual.

Trabalho precário. Um relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE) concluído em 2013 mostra que a maior parte das unidades da Polícia Científica tem espaços físicos “insuficientes e inadequados”, e mais de 98% das unidades funcionavam sem alvará emitido pelas prefeituras e sem autos de vistoria do Corpo de Bombeiros.

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O documento obtido pelo Estado mostra peças de crimes espalhadas pelo chão de corredores e armazenadas em salas inadequadas. No escritório da equipe de perícia em Jacareí, por exemplo, foi improvisado um laboratório de balística dentro do banheiro do imóvel. Em São Sebastião, a fiscalização do tribunal encontrou reagentes químicos, peças de crime e outros materiais de trabalho dividindo espação com comida na geladeira. Além disso, 62% das equipes tinham algum equipamento ocioso por falta de manutenção ou falta de profissionais preparados para operá-los.

O TCE também encontrou problemas de infrestrutura nas unidades do Instituto Médico Legal (IML). Em 88% das unidades não havia autos de vistoria do Corpo de Bombeiros ou alvarás emitidos pelas prefeituras. Mais da metade dos laboratórios não tinham material adequado para descartar resíduos que resultam da necrópsia, como sangue e vísceras. Em lugares como Mogi das Cruzes e Barretos, as mesas de necropsia estavam quebradas, com encanamento irregular ou improvisadas de forma inadequada. O problema ocorria em 17 unidades, o que representa 26% do total.

Relatório do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo encontrou instalações precárias no IC e IML Foto: TCE-SP/Reprodução

Explicações. O presidente do Sindicato do Peritos Criminais do Estado de São Paulo, Eduardo Becker, diz que o déficit de peritos causou atraso no atendimento na SP-101, em janeiro, e em outras ocorrências. "Isso aconteceu por causa da falta de profissionais", ele afirma.

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Becker também reclama do alto número de solicitações desnecessárias feitas pela polícias Civil e Militar. “Em uma série de locais há o acionamento desnecessário da Polícia Científica”, diz o presidente. Ele estima que cerca de 40% das solicitações feitas à perícia são para casos onde o trabalho científico é dispensável. No entanto, resoluções da Secretaria de Segurança Pública obrigam o IC a atender todas as chamadas. “Quando você perde tempo para atender o desnecessário, aquilo que é importante tem de esperar”, diz Becker.

A situação precária de laboratórios, relatada pelo TCE, é confirmada por depoimentos de peritos criminais que trabalham em cidades interioranas. Apenas reformas pontuais foram feitas na infraestrutura do instituto no Estado desde 2013. “O espaço é pequeno e não é adequado, não há bancada, não temos lugar para os objetos da perícia”, diz o funcionário de uma equipe no sudoeste paulista, que não quis ter seu nome identificado.

Documento mostra laboratórios improvisados em banheiros e reagentes químicos dividindo espaço com comida na geladeira Foto: TCE-SP/Reprodução

Outros peritos de unidades no noroeste e no litoral, que falaram sob condição de anonimato, confirmam que pouco mudou nas instalações do IC. Sua principal reclamação se refere a equipes defasadas que atendem áreas grandes demais - em alguns casos, apenas um perito é responsável por regiões com mais de dez mil quilômetros quadrados, que abrangem mais de 15 municípios. "O exame em si não é tão demorado, mas você perde mais tempo se deslocando do que atendendo a ocorrência", conta o perito.

Desmembrado da Polícia Civil paulista desde 1998, em uma década e meia o IC tornou-se uma das quatro perícias criminais menos produtivas do País. Os últimos dados disponíveis sobre o assunto no Brasil, reunidos em diagnóstico da Secretaria Nacional de Segurança Pública elaborado em 2012, mostram que 62% das ocorrências em São Paulo tiveram laudos expedidos no mesmo ano em que foram solicitadas. Apenas Alagoas, Amazonas e Roraima tiveram produtividade menor.

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Na Grande São Paulo, o tempo médio de remoção de veículos quando há vítima fatal, situação em que o IC deve ser acionado, é de duas horas e dez minutos. O número é cinco vezes maior do que quando não há vítima, situação em que a remoção costuma tomar 20 minutos. Não há estimativas do tipo para o Estado inteiro, mas peritos dizem que é comum haver demora de cinco horas ou mais para atender uma ocorrência, pois equipes enxutas atendem regiões extensas.

Fotos incluídas no relatório mostram equipamento ocioso em unidades da Polícia Científica Foto: TCE-SP/Reprodução

Reformas. Ex-diretora da Polícia Científica, a perita criminal Norma Bonaccorso diz que reformas pontuais, aumento de orçamento e novas vagas para peritos foram entregues durante sua gestão, entre abril de 2013 e janeiro deste ano. “Fizemos um levantamento físico de todos os IMLs e todas unidades do IC e constatamos as dificuldades, tanto materialmente quanto de recursos humanos e foi feito então um plano, um planejamento”, diz Norma.

O plano é atrasado por uma intrincada burocracia que exige cooperação de diferentes administrações, pois a maioria das unidades da SPTC estão em imóveis alugados ou pertencentes aos municípios.“Nós não podemos fazer reforma em prédios da prefeitura, existem limitações legais”, justifica a perita.

Ela citou reformas em Taubaté, Americana e Praia Grande que foram feitas sob sua chefie. O relatório do TCE aponta problemas em mais de 60 unidades. 

Em nota, a superintendência da Polícia Técnico-Científica informou que "todos os pontos citados na reportagem já foram ou estão sendo resolvidos" e que o levantamento da Secretaria Nacional de Segurança Pública é de 2012 e "não reflete o retrato atual". "Na emissão de laudos, a produtividade do Instituto de Criminalística já ultrapassa 75% dos pedidos feitos no mesmo ano. A curva ascendente é reflexo de portaria 11/2015 estabelecida pela SPTC, que deu celeridade à emissão de laudos", afirma.

Ainda segundo a polícia, "não há, atualmente, problemas de falta de material" e "há concursos em andamento para preenchimento de 996 vagas para a SPTC entre atendentes de necrotério, peritos, médicos legistas, fotógrafos técnico-periciais, desenhistas técnico-periciais e auxiliares de necropsia". O concurso para admissão dos 447 peritos criminais, informou, foi homologado e, até o final do ano, após curso na Academia de Polícia, eles estarão trabalhando.

"Todos os projetos deixados pela antecessora na SPTC, Norma Bonaccorso, estão sendo executados. Além disso, novas unidades tanto de IC quanto de IML estão sendo construídas (Assis, Ourinhos, Andradina), sendo que até o mês de setembro corrente será inaugurada a nova sede da EPC e EPML de Americana. A Secretaria de Segurança Pública e o Governo do Estado de São Paulo estão dando todo o apoio para sanar os problemas que existem no Instituto de Criminalística e no Instituto Médico Legal", completa.

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