Especialistas criticam proposta de ‘camping social’ em SP: ‘Não há qualidade de vida em uma barraca’

Nova secretária de Direitos Humanos, Soninha Francine defendeu ideia; Políticas habitacionais para esses grupos precisam ter diversidade de perfis e caráter permanente, dizem analistas e grupos que trabalham com assistência social

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Por Leon Ferrari
Atualização:

Especialistas criticam a proposta de criação de “campings sociais” para abrigar a população em situação de rua na cidade de São Paulo. A proposta foi defendida pela nova secretária municipal de Direitos Humanos, Soninha Francine, que assumiu a pasta no começo do mês.  Para professores e grupos que trabalham com assistência social,  propostas como essa podem estigmatizar a população sem-teto, ao criar guetos. O ideal, segundo eles, é apostar em soluções diversas e com caráter permanente. 

Soninha diz imaginar, para o camping, um espaço com cerca de 30 barracas, banheiro, chuveiro, local adequado para lavar roupa e também para fazer refeições.  Não é a primeira vez que um projeto do tipo é sugerido por Soninha à Prefeitura. Ela já havia falado sobre essa mesma proposta em 2017, ainda na gestão João Doria (PSDB). 

Morador de rua embaixo do Minhocão, em São Paulo Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 19/1/2021

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“Inacreditável voltar a isso!”, disse nas redes sociais o Padre Julio Lancellotti, conhecido por seu trabalho com a população de rua. “O secretário da assistência social propõe hotéis sociais e moradia provisória, Projeto Recomeço, e a secretária de DH (Direitos Humanos), camping. Isso dentro do mesmo governo! Está difícil de entender!”

Doutor em planejamento e gestão do território e pesquisador do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade) da USP, Aluizio Marino destaca que ações emergenciais, após a crise habitacional da cidade ter se intensificado na pandemia, são importantes. A população em situação de rua de São Paulo cresceu 31% em dois anos e chegou a 31.884. Porém, avalia que os campings não são uma solução “adequada” para o problema, mas pode piorar.

“Uma ação como essa não me parece ser adequada porque as pessoas vão continuar em uma situação de extrema precariedade”, afirma Marino. “As pessoas já estão morando em campings em vários lugares da cidade. Não há qualidade de vida morando em uma barraca de camping", acrescenta. 

O advogado Ariel de Castro Alves, membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, fala que o camping social é uma solução “paliativa”, que “não resolve a situação da crescente população de rua”. Pelo contrário, avalia que pode gerar o aumento dessa população. “Pode gerar migração de pessoas e famílias de cortiços, pensões e favelas, na expectativa de que os campings, por serem iniciativa da Prefeitura, poderiam ser portas de entrada para o encaminhamento para moradias populares.”

Os especialistas avaliam que há risco de criação de guetos, que reforçam a marginalização dessas pessoas. Ao invés de integrar essa população no convívio social, eles ponderam que os campings podem isolá-las ainda mais. 

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Marino destaca que isso pode estigmatizar moradores e, até mesmo, tornar o local alvo de violência. “Essa população já é alvo de violência cotidiana.” O pesquisador também considera que conjuntos habitacionais com grande número de pessoas dificultam a gestão, uma vez que conflitos internos podem ser intensificados. “Pode gerar problemas enormes”, alerta.

Solução 

“Deveríamos debater uma política mais qualitativa, com várias modalidades de atendimento e que vão na direção do atendimento permanente. Não podemos ficar nessa manutenção da precariedade”, indica Marino. O pesquisador destaca que não é somente uma questão de “criação de vagas”, é preciso que a política seja intersetorial - que abranja demandas de saúde e direito das crianças e adolescentes, por exemplo. Também reforça que ela precisa ser construída de forma dialógica, em contato com representantes da população em situação de rua. 

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Além disso, o pesquisador do LabCidaden acredita que uma alternativa é regular a política de aluguel, de forma que não seja entendida apenas como demanda do mercado; aluguel social; criação de moradias no modelo de república, que, por serem menores, simplificam a gestão. Bem como, aponta para a desapropriação do que chama de “um estoque imobiliário ocioso”. “Temos os mecanismos previstos no Plano Diretor para que você possa desapropriar esses imóveis e dar função pública.” 

Já Alves diz ser necessário a criação de uma espécie de "Poupatempo social". “Que possa fazer a triagem e individualização dos atendimentos da população de rua, e encaminhamento para os programas e serviços mais adequados, conforme as características e necessidades de cada pessoa ou família em situação de rua.”

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