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Em três meses, mais de 330 mulheres foram vítimas de importunação sexual em São Paulo

Desde a criminalização em setembro do ano passado, 313 ocorrências foram registradas em toda a capital, apontam dados obtidos pelo Estado via Lei de Acesso à Informação

Por Paulo Roberto Netto
Atualização:

SÃO PAULO - Três meses após a criminalização, 333 mulheres foram vítimas de importunação sexual na cidade de São Paulo, incluindo 68 crianças e adolescentes do sexo feminino. O levantamento foi realizado pelo 'Estado' a partir de dados obtidos via Lei de Acesso à Informação.

Mulher prega mensagem de indignação sobre violência contra a mulher noMasp, em São Paulo Foto: Gabriela Bilo/Estadão (27/05/16)

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Ao todo, 313 boletins de ocorrência foram registrados entre os dias 24 de setembro de 2018 a 09 de janeiro deste ano em toda a capital paulista. Em média, foram três casos por dia - um a cada oito horas: quase todos contra mulheres. Entre as 352 vítimas, 333 eram do sexo feminino.

Na outra ponta, dos 263 agressores denunciados, 256 eram homens. Em apenas três casos uma mulher cometeu importunação sexual contra uma vítima do sexo masculino.

Os números, no entanto, englobam apenas casos notificados à polícia, deixando de fora aqueles em que a vítima não relata o crime. Segundo a delegada e presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, Raquel Gallinati, a subnotificação é comum e ocorre devido ao constrangimento da mulher após o assédio sexual.

"A mulher se coloca no papel de achar que foi ela quem deu 'escape' para o agressor praticar o crime, mas em hipótese nenhuma existe a justificativa para a prática desse crime", afirmou. "A mulher nunca deve se culpar. O culpado sempre é o criminoso, o agressor."

Criminalizada em setembro do ano passado, a lei da importunação sexual foi sancionada na esteira de diversos casos envolvendo homens que se masturbavam e ejaculavam em passageiras no transporte público.

Em um dos casos, um homem foi detido após ejacular em uma passageira dentro de um ônibus que transitava pela Avenida Paulista. À época, ele foi preso em flagrante pelo crime de estupro, mas foi solto em seguida após a justiça alegar ausência de constrangimento da vítima. O mesmo homem tinha outras quinze passagens por atos semelhantes.

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De acordo com Raquel Gallinati, a criminalização da importunação sexual deu fim à desproporcionalidade na aplicação da pena, que variava de acordo com o crime no qual o agressor fosse enquadrado. Enquanto casos de estupros podem levar à prisão, casos classificados como importunação ofensiva ao pudor são contravenções penais, cuja pena é o pagamento de multa.

"O que ocorreu com a lei foi um novo ordenamento jurídico para adequar crimes que já eram existentes", afirma Gallinati. Segundo a delegada, o fato da maioria das vítimas serem mulheres é fruto da 'herança machista' da sociedade brasileira. "Para coibir de fato novas práticas desse crime é preciso ir além. É preciso que haja uma conscientização de que o corpo da mulher não deve e nem pode ser objetificado".

Além do gênero, a faixa etária das vítimas aponta para o cenário em que a maior parte das vítimas são mulheres mais novas enquanto os autores são homens mais velhos. Entre as vítimas do sexo feminino, 68 eram menores de idade e outras 127 eram mulheres de 18 a 24 anos. Somadas, as faixas etárias correspondem a quase 60% dos casos.

Entre os autores, 63 homens tinham entre 36 a 50 anos de idade e outros 37 estavam acima dos 50 anos. Outros 100 não tiveram a idade descrita nos boletins de ocorrência. Apenas dois casos envolveram adolescentes infratores do sexo masculino.

Transporte público. Segundo o levantamento, o transporte público é um dos pontos de maior concentração de assédio. Entre as 313 ocorrências de importunação sexual registradas nos primeiros 107 dias da lei, 134 casos ocorreram dentro de vagões, plataformas e estações de trem em São Paulo, além de ônibus e pontos de embarque da capital.

Policiais retiram suspeito de importunação sexual de ônibus na Avenida Paulista, em agosto de 2017. Caso foi um dos vários que motivaram a criminalização do assédio. Foto: Marianna Holanda/Estadão (27/08/17)

De acordo com o delegado Oswaldo Nico Gonçalves, diretor da Delegacia de Capturas e Delegacia Especiais, o endurecimento da lei contra a importunação sexual ajudou a frear novos casos, porém os policiais ainda enfrentam dificuldades em convencer vítimas e testemunhas a denunciarem o crime.

"Sempre que alguém se incomoda, tem alguém na plataforma para levar o agressor para a delegacia. É um trabalho difícil, mas estamos fazendo", disse Gonçalves. "Quando era contravenção, o agressor fazia mais de uma vez por semana. Antigamente, a pessoa ia embora e agora está indo para a cadeia."

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O delegado afirma que a Secretaria de Estado de Segurança Pública atua com anúncios e stands com informações para a vítima denunciar casos de importunação, além de deslocar agentes para monitorar atividades suspeitas nas estações de trem e metrô da capital.

Em nota, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos informou manter equipes de segurança para "acolher a vítima e dar atendimento, informações e orientações necessárias" em casos de importunação sexual.

"Cabe ressaltar que a Companhia mantém equipe de segurança com agentes próprios e terceirizados, que realizam rondas uniformizados e descaracterizados (sem uniforme). Além disso, também conta com um moderno sistema de monitoramento com cerca de 8 mil câmeras de vigilância em trens e estações de toda a rede."

A SPTrans afirmou, em nota, repudiar "qualquer tipo de assédio no transporte público" e diz orientar o motorista a parar o veículo e aguardar a chegada da polícia ou conduzi-lo até uma delegacia em casos de importunação sexual.