
14 de abril de 2011 | 00h00
Para o psiquiatra Talvane de Moraes, as menções ao islamismo deixadas por Wellington Menezes de Oliveira são delírios com explicação muito diferente de terrorismo ou conspirações: a época que vivemos. Ele descarta a possibilidade de envolvimento do rapaz com extremismo. A seguir, os principais trechos da conversa.
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Como pode ser descrito o distúrbio de Wellington, a partir do vídeo e das cartas que deixou?
É uma doença mental muito grave. Por hipótese, é um caso de esquizofrenia, onde são frequentes os delírios. São pensamentos ordenados a partir de premissas falsas, que dão interpretação que foge à realidade. Ele é incoerente quando diz que foi à escola para reagir contra as pessoas que fazem mal aos oprimidos e inocentes - as vítimas dele foram essas.
Em alguns escritos, vem à tona a questão religiosa. Por quê?
Um dos tipos de delírio do esquizofrênico é o místico. Ele usa termos religiosos, tese religiosa, mas lhes dá interpretação pessoal. Por exemplo, usa o Corão, mas o Corão não tem nada a ver com o que ele afirma.
A questão de extremismo islâmico está descartada?
Sim. O vídeo dele é muito interessante. Ele pega o modelo dos homens-bomba do Oriente, que gravam vídeo antes da missão suicida. Eles fazem um discurso, mas geralmente com um objetivo lógico, que é servir a uma causa, é político. Wellington não fala nada: vou matar porque não posso aceitar que pessoas más façam mal àqueles que são inocentes e incapazes. Exatamente as pessoas às quais ele fez mal: as crianças. Ele não atingiu nenhum adulto.
Na cabeça dele ele estava matando os colegas que o perseguiram quando era mais jovem?
Não se pode ter certeza. Mas é óbvio que a doença age sobre um quadro pré-existente. Para os doentes mentais, dependendo da época, o conteúdo dos delírios muda. Na Idade Média, o mesmo esquizofrênico delirava com bruxarias e perseguições religiosas. No século passado, vi casos com a questão de viagens espaciais. Recentemente, apareceram delírios com computador, na era da informática.
A maioria dos doentes mentais é pacífica. O que leva um esquizofrênico a ser agressivo?
Isso é uma raridade. Sem dúvida, ele cresceu com uma série de coisas reprimidas dentro dele. O bullying na infância, o abandono, porque era filho adotivo e sabia disso. Mas havia também aspectos biológicos importantes. A mãe biológica era esquizofrênica e possivelmente transmitiu fatores favoráveis à doença. Mas a hereditariedade na doença mental não é direta. É multifatorial. Ter pai ou mãe esquizofrênico não quer dizer que os filhos também serão.
Pelo que o senhor viu nos vídeos e na carta, o que pode mais ser deduzido?
Tudo aponta para esquizofrenia. Os conteúdos dele eram ligados à sua biografia. Por isso esquizofrênicos deliram com conteúdos completamente diferentes: um fala que é perseguido por muçulmanos, outro diz que é o filho de Deus que veio nos salvar.
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