PUBLICIDADE

‘É traumatizante, mas há vida após um ataque homofóbico’

Advogado relata episódio que sofreu em São Paulo; esta quarta marca o Dia Internacional de Combate à Homofobia

Por Juliana Diógenes
Atualização:

SÃO PAULO - No Dia Internacional de Combate à Homofobia, o Estado ouviu o advogado André Cardoso Gomes Baliera, que foi vítima de homofobia na Avenida Henrique Schaumann. Confira a seguir o relato:

“Eu vinha descendo a pé a Rua Teodoro Sampaio, por volta das 18 horas de uma segunda-feira (3 de dezembro de 2012). Estava claro. Fui atravessar a Avenida Henrique Schaumann e, mesmo com fones de ouvido, escutei que falavam algo para mim. Tirei os fones, percebi que eram dois homens em um carro e ouvi que me chamavam de ‘viado!’ e ‘bicha’. Não tinha costume de ficar quieto, então xinguei. Começou uma troca de ofensas. Quando o semáforo abriu, o motorista fez o improvável: da pista central, cruzou a fileira de carros e parou no posto onde eu estava. Dois desceram do carro. Fiquei muito assustado. Estou até com a mão gelada aqui só de me lembrar. 

'Algumas situações não me permito mais' Foto: Gabriela Biló/Estadão

PUBLICIDADE

Sabe quando você começa a perceber que não está lidando com pessoas normais? Não que fosse normal também eu xingar alguém. Mas não foi a primeira vez nem a última em que fui xingado e reagi. Normalmente, as pessoas que me ofendem, quando são interpeladas, saem e me deixam em paz. Só que começaram a me agredir violentamente, com chutes e socos, não sei dizer o que aconteceu. 

Não sei qual é o limite entre ter esquecido tudo e desmaiado. Não sei dizer, por exemplo, se doeu fisicamente. Começaram me batendo no posto de gasolina e a violência terminou no meio da Teodoro Sampaio. Lembro do olhar de uma mulher, que estava no carro onde me jogaram e me bateram. Era uma cara de desespero. É uma das poucas imagens que tenho. 

No começo, a minha vida foi tomada pelo fato. Fui ‘a vítima de homofobia’, antes de ser André, estudante de Direito e bancário. Fiz terapia por mais de um ano. Depois, fui retomando a vida. Precisava continuar vivendo. Se eu tinha qualquer segurança pela classe social à qual pertenço, pelo fato de estudar em uma faculdade que é mais tolerante que o padrão, por ter uma família que me acolheu sem grandes traumas, essa sensação era falsa. 

Apanhei em Pinheiros, bairro nobre, com o dia claro e pessoas vendo. Hoje o trauma que carrego é não conseguir mais viver sem aquele resquício de medo, de sempre achar que se alguém está me olhando, de repente pode me bater. 

Algumas situações não me permito mais. Acho muito triste, mas hoje até na Avenida Paulista fico com medo de andar de mãos dadas com meu namorado. Essa paz eles roubaram de mim completamente. 

Publicidade

Sinto medo dos olhares das pessoas, achando que pode vir algum soco igual ao que já levei em 2012. A maioria dos gays já vive com esse receio. Mas, antes do ataque, eu não tinha. Se você pensar bem, eu era muito corajoso na época porque não achava que a minha orientação sexual fosse me levar ao hospital. Imagino que uma série de pessoas passe diuturnamente pelo que passei uma só vez. O importante é pensar que há vida após a violência homofóbica. Já é da natureza das pessoas LGBT pensar em válvulas de escape. Exponencialmente, o suicídio. É uma realidade nossa por toda a exclusão que somos obrigados a passar. 

É bacana poder dizer agora, quase cinco anos depois, que minha vida retomou e poder dizer que sou feliz. Não sou o resultado do ato que sofri. Espero que as pessoas que estejam lendo isso acreditem que é possível superar um ataque homofóbico. É muito duro, triste, ruim e traumatizante. Mas há vida depois.” 

ANDRÉ CARDOSO GOMES BALIERA É ESCREVENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.