Doria se credencia a nova eleição e já prepara vice

Prefeito mantém ritmo da campanha eleitoral, lança projetos e anuncia ter cumprido três promessas

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Foto do author Adriana Ferraz
Por Adriana Ferraz , e Fabio Leite
Atualização:

SÃO PAULO - O prefeito João Doria (PSDB) mal desceu do carro e logo foi cercado por um grupo de pessoas que o aguardavam com celulares em mãos para tirar uma selfie com ele. A tietagem acompanhou o tucano durante todo o evento de inauguração do Parque do Chuvisco, no Campo Belo, zona sul de São Paulo. Doria conversou com moradores, posou para as fotos e acenou para quem gritava seu nome à distância. Até que um senhor, emocionado, o abraçou e deu o tom do cortejo: “Você tem o meu voto”.

A cena, típica de um corpo a corpo eleitoral, poderia ter ocorrido há seis meses, quando Doria venceu a disputa pela Prefeitura de São Paulo com mais de 3 milhões de votos e no primeiro turno – fato inédito na história da capital. Mas o apoio popular a uma possível nova candidatura do tucano – desta vez mais ousada, àPresidência da República – foi registrada há pouco mais de uma semana, dia 1.º de abril, em uma agenda oficial. “Não sou candidato a nada”, discursou minutos depois. A frase vem sendo repetida na tentativa de acalmar os ânimos no PSDB desde que seu nome ganhou força como opção na corrida presidencial no lugar de caciques históricos, como o governador Geraldo Alckmin e os senadores José Serra e Aécio Neves. Em entrevista publicada ontem pelo Estado, Doria disse que Alckmin é seu candidato à presidência, mas admitiu que poderá concorrer ao governo paulista se seu padrinho político pedir. 

Tucano participa do mutirão Calçada Nova, em Parelheiros, zona sul, com secretários e vereadores; parlamentares passaram a acompanhá-lo em eventos externos Foto: Alex Silva/Estadão

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A “onda Doria” é reflexo do que foram os cem primeiros dias de sua gestão, a ser completados amanhã. O prefeito não abandonou o ritmo intenso da campanha. Pelo contrário, apostou em uma agenda repleta de eventos externos e anúncios midiáticos e tem repetido slogans e bordões que garantiram sua vitória nas urnas em 2016, como o “acelera” e o “não sou político, sou gestor”. Tudo registrado e divulgado em tempo real por uma equipe paga por ele em sua página no Facebook, que soma 2,3 milhões de seguidores. 

O sucesso da estratégia fez com que o estilo Doria fosse copiado por políticos Brasil afora e o projetasse a voos mais altos no ano que vem, para presidente ou governador de São Paulo. Nos bastidores, o prefeito, que já foi chamado de presidente por um secretário, prepara seu vice, o também tucano Bruno Covas, para assumir o comando da cidade em um ano, caso decida se licenciar para disputar uma nova eleição. E o vice já tem condições de assumir a Prefeitura? “Bruno está pronto para tudo. Foi eleito com a mesma votação que eu, tem uma trajetória brilhante na vida política e é neto do Mario Covas”, diz Doria.

Cada vez mais próximo do prefeito, o neto do ex-governador Mario Covas, que também administrou a capital (1983-1986), mudou seus hábitos para se aproximar da figura de gestor e descolar do político. Assim como Doria, acorda antes das 6 horas para se exercitar antes de chegar, por volta das 8 horas, à Prefeitura (diz já ter perdido oito quilos). Aos fins de semana, ao lado do chefe, usa roupa de gari e varre ruas, faz calçadas, planta árvores e apaga pichações. Na última segunda-feira, até experimentou ser prefeito ao participar de uma agenda oficial com o governador Alckmin na capital a pedido de Doria, que ficou no gabinete.

Ter um “Covas” na manga é um dos trunfos de Doria, segundo aliados mais próximos. Acredita-se que o sobrenome forte poderia reduzir a resistência do eleitorado frente a uma possível saída precoce da Prefeitura. Por outro lado, a cidade perderia um prefeito gestor e ganharia, de novo, um político de berço. Aos 36 anos, Bruno Covas acumula dois mandatos legislativos, de deputado estadual e federal, e foi secretário de Estado. “Tenho acompanhado o prefeito desde o dia 1.º de janeiro. Quando ele fez o convite no ano passado, disse que eu o ajudaria a governar a cidade de São Paulo, e ele está fazendo o que se comprometeu a fazer na campanha, sem nenhum calendário eleitoral influenciando”, diz Covas, que, assim como Doria, também compartilha com seus seguidores nas redes sociais toda agenda pública que participa.

Prefeito limpando e pintando um ponto de ônibus, no bairro do Brooklin Foto: MARCIO FERNANDES/ESTADÃO

VIRADA. Mas copiar Doria não é tarefa simples. Empresário e comunicador, Doria soube pôr em prática medidas que o próprio PT apontava como uma deficiência do ex-prefeito Fernando Haddad. Em vez de se recolher ao gabinete, se expôs nas ruas, lançou programas, ainda que destinados a serviços rotineiros, como de zeladoria, com o Cidade Linda, e incluiu ações típicas de um político tradicional, como varrer as ruas e vestir-se de gari.

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Com o cronograma de ações já definido até o fim de ano, Doria lançou, desde que assumiu, 52 projetos e ações, quase todos “batizados” por ele próprio, cumpriu três de suas principais promessas de campanha – congelar a tarifa de ônibus, zerar a fila por exames médicos e aumentar a velocidade nas Marginais. Além disso, comprou briga com os pichadores e fez sua primeira viagem internacional para promover seu amplo programa de privatizações. Na terça-feira, 11, embarca para a Coreia do Sul em busca de novas tecnologias para a área de transportes.

O efeito de duas das promessas compridas – o aumento da velocidade e o fim da fila de exames – é questionado por opositores. No caso das Marginais, no primeiro mês de aumento das velocidades foram registrados 106 acidentes e no segundo, 117 – em 2016, a média de ocorrências foi de 64 por mês. A Prefeitura diz que não é possível comparar os dados, porque agora há mais agentes e câmeras de monitoramento, e afirma que ainda vai medir a velocidade média dos veículos para saber se a medida trouxe vantagem aos motoristas. Já no caso do programa de exames, o Corujão da Saúde, Prefeitura, Câmara Municipal e Tribunal de Contas (TCM) divergem sobre os números da fila por exames e de pessoas atendidas.

Programa Cidade Linda é a maior vitrine da gestão Foto: PAULO LOPES/FUTURA PRESS

ESCASSEZ. O sucesso do tucano, no entanto, não está atrelado a altos investimentos em obras ou programas mais estruturais. Com o caixa vazio, Doria executou no primeiro trimestre R$ 109,6 milhões enquanto Haddad havia investido R$ 329,7 milhões no período, uma diferença de 66%. São 31 obras paradas, herdadas da gestão anterior. A falta de dinheiro atinge outras propostas da campanha, como a contratação de médicos, que segundo a gestão ficou para 2018. 

Diluir as promessas nos quatro anos de gestão na esperança de que a arrecadação com impostos se recupere (a queda foi de 4% no primeiro trimestre), é regra na Prefeitura, assim como atribuir à administração Haddad o rombo anunciado de R$ 7,5 bilhões no orçamento atual. Essa diferença justificaria não apenas o baixo investimento em obras e novos serviços como também os cortes promovidos em programas tradicionais, como o Leve Leite e o Transporte Escolar Gratuito. Por outro lado, a promessa de manter a tarifa de ônibus congelada exigiu um gasto de R$ 657,7 milhões até março em recursos do Tesouro – 15% a mais do que no primeiro trimestre de 2016.

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A marcha lenta nesses gastos é, por ora, a principal crítica feita à gestão por sua oposição política. “Foram cem dias de muita atividade midiática, de poucos resultados e de ataques aos direitos dos mais pobres. Mesmo na área de zeladoria, as ações são pequenas. Ele está com obras paradas, reduziu o Leve Leite e fez outros cortes. A cidade real não reflete o Facebook do prefeito”, diz Antonio, Donato, líder do PT, partido de oposição na Câmara. Sem abundância de recursos, Doria usou nesses cem dias parte de seu tempo reunindo-se com empresários para pedir doações. Nos cálculos oficiais, a cidade já foi agraciada com mais de R$ 270 milhões de contribuições da iniciativa privada. Ganhou carros, motos, livros, medicamentos, computadores, reforma de banheiros, TV para o seu gabinete e até propaganda gratuita de seu Cidade Linda – principal vitrine até aqui da gestão – em rede nacional, durante a transmissão de dois jogos da seleção brasileira de futebol, presente do amigo Sidney Oliveira, dono da rede de farmácias Ultrafarma.

As colaborações são firmadas em reuniões agendadas pelo próprio Doria, quando o prefeito revive seus tempos de Lide, grupo fundado por ele e conhecido por pedir contribuições do empresariado para organizar eventos que reúnem políticos. Com números dos setores na ponta da língua, pressiona os empresários e chega a definir como se dará a participação de cada um. 

Por vezes, entretanto, basta que o prefeito faça um post em seu Facebook pedindo doações para reunir uma fila de empresários em sua porta. Isso aconteceu no dia 29, quando ele pediu livros enquanto enfrentava uma propaganda da empresa Amazon que o criticava. “Nesses 90 dias, ele [Doria] tem ganhado a admiração de toda a cidade. Nós, da Saraiva, vimos essa oportunidade de manifestar nossa missão, que é ser uma empresa parceira da cultura e da educação. Metade de nossa receita vem de livros. E [a venda] só vai crescer com melhora na educação. O futuro da nossa companhia está relacionado ao futuro da educação de nosso País. Sendo assim, doamos 10 mil livros para a Prefeitura”, disse o diretor presidente Jorge Saraiva Neto.

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Primeira vez em que o prefeitoanda de ônibusna gestão Foto: HELVIO ROMERO/ESTADÃO

A TOQUE DE CAIXA. Metódico, Doria segue o script à risca, nunca se atrasa e cobra respostas a toque de caixa. Empresários que comandam a cartela de serviços básicos prestados à população, como varrição, iluminação e transporte, porém, se queixam de falta de reciprocidade. “Essa administração começou herdando uma dívida de R$ 240 milhões da anterior. Negociamos no início um aditivo para manter os prazos de pagamento. A gente vem lidando com isso, mas não está fácil administrar, por causa do montante. Hoje, o sistema deve R$ 205 milhões. As relações institucionais estão tranquilas, mas não fomos chamados para discutir nem a nova licitação nem a bilhetagem ou a administração dos terminais”, diz o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano, Francisco Christovam. 

O setor também gostaria de participar mais dos debates relativos à política de concessões de Doria. Os contratos com as empresas de ônibus estão vencidos desde a gestão passada e a expectativa agora é de que o edital para renovação saia no meio do ano. O que será exigido pela atual gestão é uma incógnita, por enquanto. Em outras áreas, como na iluminação, tem valido o exemplo da gestão passada. Doria defende o mesmo projeto de parceria público-privada (PPP) lançada por Haddad e que ficou travado no TCM.

Diferentemente do discurso adotado durante a fase de transição, Doria pouco delega. Participa de praticamente todas as decisões da administração e, apesar de ouvir a opinião dos secretários e elogiar sua equipe, é mais próximo de apenas três: Julio Serson, amigo pessoal e atual responsável pela pasta de Relações Internacionais; Anderson Pomini, advogado da campanha e hoje secretário de Justiça; e o vice Bruno Covas, que acumula a pasta das Prefeituras Regionais. O chefe de gabinete, Wilson Pedroso, completa o grupo de elite da gestão.

Colado em Doria desde a campanha, Pomini diz que ser próximo ou distante do prefeito é uma escolha dos secretários, que, a esta altura já sabem o que ele quer. “Muitos pedem para que eu segure o prefeito, faça-o reduzir o ritmo ou aderir a práticas mais conservadoras. Mas não adianta nem mesmo diante de alguns questionamentos, como os que foram feitos em relação às doações. Ele não recua, quer avanços e não conservadorismo.”

O perfil centralizador não está restrito ao trabalho. Em seus deslocamentos, ocupa o tempo dentro do carro fotografando problemas, como buracos de rua, e mandando por WhatsApp aos subordinados cobrando soluções, ou mesmo fazendo a lista de supermercado de casa. No menu de Doria não podem faltar peixes, salada e frutas – os mais próximos reclamam de comer a mesma coisa quase todo dia. Preocupado com a forma física, é adepto das vitaminas e dos exercícios e não consome bebida alcoólica. E dorme pouco, bem pouco: cerca de três a quatro horas por noite.

ESCANTEIO. Se o vice tornou-se homem de confiança do prefeito, outros secretários ainda se esforçam para alcançar essa posição. Soninha Francine, titular da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, viu dois dos três projetos mais importantes de sua pasta serem repassados para o adjunto, Filipe Sabará. Sob o comando dele estão o Trabalho Novo, que visa a capacitar e empregar moradores de rua, e os Espaços Vida, nome que o prefeito quer dar aos albergues após reformá-los. Soninha ficou com o Redenção, ainda a ser lançado para abordar a população da Cracolândia.

A distância é explicada pela diferença nos perfis. Extremamente organizado, Doria exige o mesmo de seus subordinados. Isso inclui pontualidade e presença constante nos eventos públicos. Para pressionar e demonstrar insatisfação, o tucano deu o primeiro puxão de orelha na secretária logo no quarto dia de governo, quando o atraso de 15 minutos de Soninha para uma reunião se transformou em motivo para o prefeito criar uma nova ação de marketing: a partir daquele dia, os atrasados passaram a pagar multa de R$ 200 por perder a hora.

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De lá pra cá, Soninha não se atrasou mais, mas perdeu um pouco o ritmo da gestão. O mesmo tem ocorrido com Júlio Semeghini que, por ser o dono da Secretaria de Governo, deveria, em tese, ser o mais próximo de Doria. Não é. Representantes do governo ainda o classificam como o “homem do Alckmin” – foi secretário estadual de Planejamento – e veem como resistência sua permanência no cargo caso o prefeito decida alçar voos mais altos.

Se, na teoria, a posição do secretário pode ser classificada ainda como dúbia, na prática ela encontra resistência. Parte dos vereadores da capital reclama da postura de Semeghini. Dizem que pessoalmente ele nunca diz não aos pleitos dos parlamentares por cargos nas Prefeituras Regionais, por exemplo, mas não cumpre o combinado. Alguns nem sequer conseguiram nomear aliados para as chefias de gabinete, o segundo escalão das administrações regionais, quanto mais supervisores de obras ou coordenadores culturais, cargos que exercem influência nos redutos e, por isso, são muito disputados.

Doria foge desses atritos. Considera essas pequenas disputas atribuição para Semeghini e Bruno Covas resolverem. Diante do Legislativo, mantém a postura de gestor e só aceita discutir seus projetos para a cidade, mesmo após questionado por aliados. Na segunda reunião mensal com os vereadores na Câmara, recebeu bilhetinhos sobre problemas pontuais nas regionais – e passou adiante. Desde a eleição, o tucano destacou um aliado de peso para controlar os ânimos dos parlamentares e, por enquanto, apesar de alguns descontentamentos, o atual presidente da Casa, Milton Leite (DEM), tem cumprido seu papel. “Ele está de parabéns nesses cem dias”, resume.

Nesta segunda-feira, 10, Leite e os demais vereadores da base são esperados na Prefeitura para comemorar com Doria as ações realizadas em “tempo recorde”, como diz o prefeito. Seis meses após vencer as eleições, Doria mantém o mantra do “João trabalhador”, mas ainda sem pedir votos.

Nas redes. Prefeito tira foto com moradoresno Jardim Japão, na zona norte Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO