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Doria quer mudar lei de zoneamento em bairros de São Paulo

Ajustes na Lei de Zoneamento propostos pelo prefeito incluem apartamentos maiores e mais vagas de garagem ao longo das grandes avenidas e desconto de 30% no valor das contrapartidas pagas pelas construtoras

Por Fabio Leite
Atualização:

SÃO PAULO - Com o argumento de que é preciso adaptar as regras à realidade da cidade e incentivar a construção de novas moradias, a gestão do prefeito João Doria (PSDB) apresentou um projeto de “ajustes” na Lei de Zoneamento de São Paulo que pretende liberar prédios mais altos no miolo dos bairros, apartamentos maiores e com mais vagas de garagem nas grandes avenidas e reduzir em 30% o valor da contrapartida paga pelas empresas para construírem edifícios acima do limite básico definido em lei. 

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As alterações atendem, em grande parte, a demandas do mercado imobiliário desde a aprovação da Lei de Zoneamento em 2016, na gestão Fernando Haddad (PT), mas têm sido criticadas por parte dos urbanistas por supostamente irem na contramão das diretrizes do Plano Diretor Estratégico, aprovado em 2014. Essa lei definiu como premissa básica do desenvolvimento da capital o adensamento nas áreas com infraestrutura consolidada e oferta de transporte público, com o intuito de aproximar emprego e moradia e melhorar a mobilidade urbana. 

 

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Entre as principais alterações propostas por Doria está a liberação de prédios sem limite de altura na Zona Mista (ZM) e na Zona Centralidade (ZC), que correspondem a cerca de 15% da área da cidade e ocupam grande parte dos chamados remansos, ou miolo dos bairros. Pelas regras de 2016, na ZM, como boa parte de Perdizes (zona oeste), Tatuapé (zona leste), e da Vila Mariana (zona sul), os novos edifícios não podem ter mais do que 28 metros de altura, ou oito andares. Nas ZC, chamadas de centro dos bairros, o limite atual é de 48 metros (16 andares). A medida não vale para as zonas estritamente residenciais, como parte dos Jardins, onde o limite continua sendo de dez metros. 

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Para que o construtor pleiteie esse acréscimo, contudo, a Prefeitura impôs algumas condições, como largura mínima de 12 metros da via onde o prédio será erguido, alargamento de calçada e proibição de vedar a fachada do imóvel com muro. Na prática, como o limite máximo de construção (coeficiente de aproveitamento) foi mantido em duas vezes a área total do terreno, a expectativa é de que os novos espigões nesses miolos de bairro cheguem a, no máximo, 20 andares. 

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Outra alteração proposta é a liberação definitiva de apartamentos maiores e mais vagas de garagem em prédios erguidos nas chamadas Zonas Eixo de Estruturação Urbana (ZEU), ao longo de grandes avenidas com oferta de transporte público. Em 2016, após pressão do mercado imobiliário, a gestão Haddad aceitou liberar essa medida em caráter provisório, por três anos, por causa da crise econômica, e foi criticada por alguns urbanistas, que viam na decisão um desestímulo à política de adensamento dos grandes eixos de transporte, como estabelece o Plano Diretor. 

Segundo a secretária municipal de Licenciamento e Urbanismo, Heloisa Proença, os ajustes mantêm as premissas do Plano Diretor e têm como principal objetivo ajudar a baratear o preço dos imóveis. “Flexibilizar o limite de gabarito (altura) no remanso (miolo) reduz o custo da produção e, consequentemente, o preço do imóvel para o consumidor final. Da mesma forma que permitir unidades maiores com vagas nos eixo traz uma adesão maior do mercado, que já trabalha com uma diversidade de produtos nessas regiões que mesclam diferentes perfis. Os projetos estavam todos represados depois do novo zoneamento e esses ajustes vão estimular a produção”, disse. 

Ainda com o intuito de “estimular o mercado”, a Prefeitura propõe reduzir em 30% o valor das outorgas onerosas pagas pelo construtor que quer erguer mais do que o limite básico definido para a região. Segundo a gestão, a Lei de Zoneamento dobrou o custo médio da contrapartida – de R$ 445,59 para R$ 1.084,15 por metro quadrado – e levou a queda de arrecadação com a outorga, de R$ 250 milhões em 2015 para menos de R$ 150 milhões no ano passado. 

O vice-presidente de Assuntos Legislativos e Urbanismo Metropolitano do Sindicato da Habitação (Secovi), Ricardo Yazbek, elogiou os ajustes propostos, mas disse que a entidade vai pleitear uma redução ainda maior no valor da outorga. “Nossa sugestão é chegar a pelo menos 50% de redução porque o custo é altíssimo.” 

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Crítica

Para o ex-vereador Nabil Bonduki (PT), que foi o relator do Plano Diretor na gestão Haddad, a revisão proposta por Doria menos de dois anos após a sanção da Lei de Zoneamento é "completamente despropositada" e "visa apenas atender aos interesses do mercado imobiliário". "As alterações em garagem, gabarito nos bairros e valor da outorga não têm nenhum propósito de planejamento urbano da cidade. Pelo contrário, desmontam o Plano Diretor", disse o petista.

A proposta foi apresentada em dezembro pela Secretaria de Licenciamento e Urbanismo para receber sugestões da sociedade até fevereiro, quando deve passar por audiências públicas antes de ser encaminhada, em março, à Câmara Municipal, onde precisa de aprovação de dois terços dos 55 vereadores para ir â sanção do prefeito.

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Vista aérea do centro expandido de São Paulo Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Análises

Arquitetos e urbanistas afirmam que é pertinente ajustar a Lei de Zoneamento, mas, para alguns dos especialistas, parte das mudanças contraria diretrizes do Plano Diretor, que estimula o adensamento nos eixos com infraestrutura e oferta de transporte público. 

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Segundo Daniel Montandon, professor de Planejamento Urbano e Regional na Escola da Cidade, as alterações deixam os bairros mais atrativos para o mercado do que os eixos de transporte, invertendo a lógica do Plano Diretor. “Não há justificativa razoável para fazer esse volume de mudanças, a não ser para atender aos interesses imobiliários”, afirmou.

Na mesma linha, o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil em São Paulo (IAB-SP), Fernando Túlio Franco, afirma que os ajustes "recaem" sobre o Plano Diretor. "Com isso, um dos seus principais objetivos, orientar a transformação da cidade para reverter os desequilíbrios históricos na oferta de emprego e moradia, fator que agrava os problemas na mobilidade urbana e no meio ambiente, encontra-se em xeque."

Já paraValter Caldana, professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, mudar o limite de altura de prédios no miolo dos bairros é pertinente porque a cidade não pode ser tratada de forma uniforme. Mas o planejamento urbano, defende ele, deve ser feito sob análise da densidade populacional e de necessidades regionais e não dos usos e dos limites de altura dos prédios.

"Os ajustes sobre limite de gabarito nos bairros mostraram-se necessários porque a lei vinha apresentando dificuldade de aplicação no dia a dia do mercado. Não faz sentido definir o mesmo gabarito para a cidade inteira. As regiões não são homogêneas. Mas os ajustes que estão fazendo são setoriais, não sistêmicos. A lei de 2016 foi muito conservadora, disse."

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