Diversos olhares sobre o conflito

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Por LUIZ ZANIN
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Três filmes relativamente recentes têm por tema a participação do País na 2.ª Guerra Mundial: Rádio Auriverde (1991), de Sylvio Back, Senta a Pua! (1999), de Erik de Castro, e A Cobra Fumou (2002), de Vinicius Reis. São abordagens distintas, visões que se poderiam chamar de complementares sobre o processo do envolvimento nacional na guerra. Rádio Auriverde é a mais sardônica, colocando foco na inadequação de muitos pracinhas para as operações de guerra. O filme, considerado desrespeitoso, foi alvo de críticas azedas e manifestações de ex-combatentes quando lançado. Back trabalha com material de arquivo, mas montado de uma maneira inusitada, com narrativa em off que às vezes confere novo significado ao que se vê. Por exemplo, Getúlio Vargas é visto na tela "confessando" (com outra voz) que fora obrigado a enviar os pracinhas em troca de financiamento americano para a Usina de Volta Redonda. Convém lembrar que o Estado Novo mantinha atitude pendular em relação ao Eixo e aos Estados Unidos, até se decidir pelos Aliados e mandar tropas para a Europa. Há a tese de que os pracinhas seriam moeda de negociação para a construção da siderúrgica, mas a hipótese simplista é desmentida por um historiador como Boris Fausto (em A História Concisa do Brasil). Há em Rádio Auriverde imagens cômicas, como a do soldado que cai de uma ponte enquanto a narração sustenta que "as tropas brasileiras estão muito bem preparadas para o combate". Outras imagens mostram soldados patrícios tocando violão, dando cambalhotas e sambando. Tomado em sentido literal, o arranjo de imagens e sons parece ofensivo, justificando os protestos dos que lutaram. Back, no entanto, sustenta que sua intenção foi "desideologizar" a leitura habitual da guerra, condenando quem enviou os soldados brasileiros, mal preparados, como buchas de canhão no teatro de guerra italiano. Já Senta a Pua! faz percurso inverso. Aposta na construção de retratos de heróis, sem qualquer distanciamento crítico. Além disso, situa-se na elite das Forças Armadas e em seus comandantes. É o mais oficial dos três, o que lhe valeu o apodo de filme chapa-branca. Segue sua vocação na apresentação unilateral e heroicizada dos personagens e uma pobre contextualização que nos permitiria compreender melhor os fatos. A Cobra Fumou encontra o caminho médio, focando-se, como Rádio Auriverde, na Força Expedicionária Brasileira. Se a aviação - retratada em Senta a Pua! - era formada em boa parte pela elite, a FEB costumava recrutar soldados entre os extratos socialmente mais pobres da população. Sem deixar de ser crítico, A Cobra Fumou contempla o lado humano dos personagens, suas dores e inquietações diante de uma luta travada em ambiente hostil e inverno feroz. O cineasta se desloca para a Itália, para observar o cenário da guerra, o Monte Castelo e a cidade de Montese, no norte da península, e conversa com testemunhas. Ouve italianos. E ouve brasileiros ilustres que participaram da campanha, como o artista plástico Carlos Scliar e o jornalista Joel Silveira. Mas os depoimentos mais impactantes vêm da gente do povo. Do veterano que confessa que "mais vale um covarde vivo que um herói morto". Ou do soldado negro Manoel Ramos de Oliveira, que, tantos anos depois, não consegue conter as lágrimas ao lembrar de uma mulher italiana, com o marido doente e acamado, se oferecendo sexualmente a ele em troca de alguma comida.Um novo capítulo dessa reinterpretação da saga brasileira na guerra será aberto com A Montanha, ficção ainda inédita de Vicente Ferraz. O diretor já dirigiu o documentário O Mamute Siberiano, sobre um filme soviético, Soy Cuba, rodado em Havana durante a Guerra Fria. O que o credencia para a aventura de reconstituição histórica do período da guerra quente, agora pela chave da ficção que, não raro, anda mais perto da verdade dos fatos do que os documentários.

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