Difusão da inovação em aves

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Por Redação
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Em meados do século 20, algo inusitado foi observado na Inglaterra. As tampinhas de alumínio das garrafas de leite entregues toda manhã na porta das residências apareciam furadas. Não demorou muito para descobrirem o culpado. Era um passarinho (Parus major) que pousava na garrafa, usava o bico para perfurar o alumínio e devorava o creme de leite. O que chamou a atenção dos cientistas é que a habilidade de furar a tampa de alumínio se espalhou tão rapidamente entre os passarinhos que a única explicação plausível era que um estava aprendendo com o outro. A descoberta feita por um indivíduo da espécie estava sendo "ensinada" para os outros. Da mesma maneira que entre humanos a tecnologia de descascar uma laranja é transmitida de pai para filho culturalmente (e não por meio dos genes), a tecnologia de perfurar tampas de alumínio também se espalhava culturalmente entre as aves. Agora isso foi estudado em detalhe. Em Wytham Woods, na Inglaterra, existe uma área de aproximadamente 16 quilômetros quadrados que é habitada por milhares de Parus major. Nessa área, os cientistas colocaram 1.018 caixas que servem de ninhos. Praticamente todos os pássaros usam os ninhos para colocar ovos. Isso permite que os cientistas coloquem nos filhotes um minúsculo chip, semelhante ao que colocamos nos carros para pagar o pedágio nas estradas. Com esse truque, os cientistas conseguem identificar todos os pássaros da região. Além dos ninhos, existem 65 estações de alimentação. Além da comida, esses locais têm antenas capazes de detectar os chips que estão em cada pássaro (como as antenas que estão nos postos de pedágio). Com esse arranjo, os cientistas podem saber qual pássaro vive em qual área da reserva, com qual outro pássaro interage - e quando interage. Três pássaros machos foram capturados em extremos opostos da reserva e mantidos em cativeiro por uma semana. Durante esse tempo, eles foram treinados a abrir com o bico uma pequena caixa que tinha duas portas com acesso a um alimento delicioso (larvas de insetos). Uma das portas era vermelha e a outra, azul. Um dos pássaros foi treinado a abrir a porta azul e o outro, a vermelha. O terceiro não aprendeu a abrir nenhuma porta e serviu como controle. Assim que os pássaros aprenderam essa nova técnica de obter alimentos, eles foram liberados no local em que haviam sido capturados. Três caixas com larvas e as duas portas de cores diferentes foram colocadas em cada um dos territórios onde os machos foram liberados. As caixas foram colocadas em um local que era filmado o tempo todo e tinha uma antena capaz de identificar os pássaros que passavam pelo local. Se um pássaro abrisse a caixa, a câmara registrava qual porta ele tinha usado, e a antena informava qual a identidade dele. Quando dois pássaros chegavam juntos à caixa, era possível saber qual tinha aberto e qual tinha falhado. Vinte dias depois da liberação, mais de 90% haviam aprendido a abrir a porta para devorar as larvas. O interessante é que, na região onde o pássaro liberado sabia abrir a porta vermelha, todos que aprenderam o truque só abriam a porta vermelha. O oposto aconteceu na outra área, onde eles só aprenderam a abrir a azul. Na região onde o pássaro liberado não sabia abrir a porta, somente 10% aprenderam. Nessa região, metade abria a azul e metade, a vermelha. O mais interessante é que, usando os chips de identificação, os cientistas conseguiram acompanhar a difusão da nova tecnologia na população, mapeando os que haviam "ensinado" e quais eram os grandes difusores. Os cientistas puderam demonstrar que os pássaros eram conservadores. Se aprendiam abrir a porta de uma cor, eles dificilmente mudavam de comportamento. Esses resultados mostram que, mesmo em pássaros (até agora isso só havia sido demonstrado em macacos), uma nova tecnologia, aprendida por um membro do grupo, pode se espalhar e se manter por gerações em toda a comunidade. Esse fenômeno é o mesmo que ocorre entre os humanos. A diferença é que temos uma linguagem sofisticada, escolas, bibliotecas, lojas, internet e televisão para difundir e guardar o conhecimento. Mas o processo de difusão tecnológica é basicamente o mesmo. Mais uma evidência que não somos tão especiais. É BIÓLOGO MAIS INFORMAÇÕES: EXPERIMENTALLY INDUCED INNOVATIONS LEAD TO PERSISTENT CULTURE VIA CONFORMITY IN WILD BIRDS. NATURE VOL. 518 PAG. 538 2015

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