Devoto viaja 600 km e caminha 170 km para pagar promessa em Aparecida

Adelson Ribeiro, de 48 anos, veio de Londrina para participar de romaria; 200 mil pessoas devem ir a Aparecida neste fim de semana

PUBLICIDADE

Foto do author José Maria Tomazela
Por José Maria Tomazela
Atualização:

ARUJÁ - As bolhas no pé e a chuva, na manhã desta quinta-feira, 10, não impediram o mecânico Adelson Ribeiro, de 48 anos, de seguir em sua caminhada de 170 km entre o terminal Barra Funda, em São Paulo, e o Santuário Nacional de Aparecida, no interior de São Paulo. Das 5 horas da manhã às 6 horas da tarde, ele percorreu os 58 km que separam Arujá, na Grande São Paulo, de São José dos Campos, no Vale do Paraíba.

Adelson Ribeiro, de 48 anos, veio de Londrina cumprir promessa para Nossa Senhora Aparecida Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

PUBLICIDADE

Adelson está em romaria desde a manhã de terça, 8, quando desembarcou na capital, e venceu os 42,6 quilômetros iniciais do percurso, até Arujá, caminhando pelo acostamento da Via Dutra. “Quem tem fé e leva Nossa Senhora Aparecida no peito, não fica no caminho. Ela carrega a gente”, disse.

Como milhares de peregrinos que seguem em romaria para celebrar o 12 de outubro, Dia da Padroeira, em Aparecida, Adelson veste camiseta e leva bandeira com a imagem de Nossa Senhora. Neste fim de semana, 200 mil pessoas devem passar pela cidade, segundo a Prefeitura. Cerca de 24 mil vão chegar a pé.

A jornada do mecânico começou bem distante da capital paulista, em Londrina, no oeste do Paraná, onde mora. Na tarde de segunda-feira, 7, ele se despediu da esposa, dos filhos, tomou um ônibus e viajou a noite toda para pagar uma promessa que não era dele. “Foi meu cunhado que fez o pedido à santa, mas eu assumi o compromisso de ir à Aparecida por ele. Já paguei a promessa dele, mas continuo indo à casa da Mãe. Esta é a sétima vez”, contou.

Adelson viajou600 km e caminhou170 km para pagar promessa em Aparecida Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

Adelson tem uma pequena oficina mecânica na cidade paranaense e relutou em contar o problema familiar que o leva a engrossar o número de peregrinos que marcham para Aparecida. “Meu cunhado - ele é casado com minha irmã - se afundou nas drogas. Estava no crack, causando um sofrimento muito grande para a família. Um dia, assim, do nada, ele parou de usar drogas, parou de beber, largou até o cigarro. A vida dele e da família mudou. Foi um milagre, mas só depois eu soube da promessa que ele tinha feito para Nossa Senhora Aparecida. Como ele não conseguia ir, pediu que eu fosse em seu lugar.”

O mecânico conta que se sentiu mal por não ter sido ele a pedir ajuda da santa em favor do cunhado. “Quando eu era jovem, vendo as dificuldades familiares dos meus irmãos, eu pedi pra Nossa Senhora colocar uma pessoa boa na minha vida. Há 38 anos estou com minha mulher, a Isalina, e há 27 somos casados na igreja. Temos dois ótimos filhos. Pensei bem e concluí que a promessa dele era dívida minha. Eu sou compadre dele, batizei o casal de filhos gêmeos dele com minha irmã. Falei para ele: ‘Eu vou por você, a santa vai aceitar'. A primeira caminhada foi em 2012. Aí não parei mais.”

No ano que vem, a esposa Isalina, que trabalha como diarista, fará a caminhada com ele. “O filho mais novo, Alisson, de 20 anos, também quer vir. O outro, Anderson, de 27, é recém-casado.” Adelson acabou sendo ‘adotado’ por um grupo de 50 romeiros de Mairiporã que repete a caminhada há 14 anos.

Publicidade

Grupo de romeiros caminha pela via Dutra até Aparecida Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

Na quarta-feira, 9, às 5 da manhã, eles já enfrentavam a chuva fina, na saída do hotel para a margem da Dutra. Todos usavam faixas refletivas para que fossem vistos pelos motoristas. Seriam mais 58 km até São José dos Campos. No caminho, almoçaram no posto de apoio que serve refeições gratuitas - comeram comido arroz, feijão, farofa, frango cozido com milho e salada. Alguns aproveitaram para drenar as bolhas nos pés - técnicas de enfermagem fazem parte do apoio.

Na quinta, serão mais 60 km até Pindamonhangaba. A chegada a Aparecida estava prevista para sexta-feira à tarde, véspera do feriado. No sábado, depois de participar das missas e celebrações com os novos amigos, Adelson pegaria o ônibus das 18 horas direto para Londrina. Ano que vem, ele espera estar de novo na estrada, com Isalina. “É só a Mãezinha me dar saúde e me livrar os perigos, como já me livrou.”

Só então ele conta que escapou ‘milagrosamente’ de um atropelamento e de uma tentativa de assalto. “Quando vi, o carro estava quase em cima de mim. Pensei nela e levantei os braços. O carro parou a dois passos.” O ladrão armado que tentou rendê-lo na rua, apontou a arma e não disparou. “Parece que, na hora, ele ficou cego, não conseguia me enxergar.”

Agricultor George Luis Fonseca, 51 anos, de Salesópolis, em sua 11ª romaria Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Os amigos de romaria também têm suas histórias. O aposentado Dorivaldo Gomes, o ‘Cocada’, de 74 anos, dita o ritmo da caminhada. Maratonista, vencedor de provas nacionais e internacionais, como a prova de Santiago, no Chile, em 2017, e de Aracaju, este ano, ele caminha para Aparecida pela terceira vez para agradecer. “Já fiz luta livre, capoeira, caratê e judô, mas nunca tive um sinal de uma doença grave. Eu sei que é por proteção da mãezinha de Aparecida, que só tem me dado saúde.”

O agricultor George Luis Fonseca, 51 anos, de Salesópolis, em sua 11ª romaria, também tem se diz devedor de Nossa Senhora Aparecida. “Sou devoto e ia sempre, mas depois de me casar parei. Meu casamento logo acabou. Então pedi a ela que pusesse uma pessoa boa na minha vida. Conheci a Clara e estamos noivos. No ano passado, nós dois subimos de joelhos a passarela da penitência.” O comerciante Tércio Fukaori, de 65 anos, estava a caminho com a esposa Célia, 56, e a filha Fabiana, de 32, fisioterapeuta. “Esta é a nossa terceira vez a pé, mas sempre fomos de carro, agradecer pelas graças que recebemos”, disse ele.

Francisco Balbino Dias, de 45 anosarrecada e distribui lanches, frutas, sucos, café e água para os romeiros Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

O funcionário público Francisco Balbino Dias, de 45 anos, faz mais do que caminhar em romarias. Com uma equipe de 12 voluntários, ele arrecada e distribui lanches, frutas, sucos, café e água para os romeiros no posto de apoio de Arujá, no km 205 da Dutra. “Só hoje, entregamos 1.600 lanches. Amanhã serão mais”, dizia, na terça. “A gente faz isso todo ano por amor e amizade, mas também por gratidão, pela nossa vida. Somos em 82, da equipe do Jair de Suzano. A gente se reveza para que todos possam fazer a caminhada.” Ele sairia em marcha na quinta-feira, pela 14ª vez, na companhia da esposa, Roberta.

O risco de acidentes com peregrinos torna-se maior a partir desta sexta-feira, 11, quando há previsão de aumento no tráfego de veículos na Dutra. Conforme a concessionária, 290 mil carros passarão no trecho entre São Paulo e Aparecida entre a zero hora de sexta e a meia-noite de sábado.

Publicidade

O tráfego mais intenso será entre 17 e 21 horas do sábado e das 16 às 21 de domingo, no retorno do feriado. O tráfego proveniente do Rio de Janeiro também será maior, com 212 mil veículos no mesmo período. A concessionária orienta os peregrinos a evitar a caminhada pelo acostamento e, se não puder ser evitada, que seja feita no sentido contrário ao dos veículos.

O Santuário Nacional de Aparecida dispõe de um Centro de Apoio ao Romeiro, com programação e shows e atividades entre as celebrações religiosas. O local conta também com praça de alimentação e lojas. Somente no sábado, 12, Dia da Padroeira, são esperadas 170 mil pessoas no santuário. Na madrugada de 11 para 12, haverá vigília itinerante até as 4h30.

Durante todo o dia, as missas se sucedem – às 9 horas haverá missa solene concelebrada pelos bispos e, às 12, o repique dos sinos. A consagração solene acontece às 15 e, às 18 horas, a celebração do Angelus, seguida de procissão. Após a missa de encerramento do Dia da Padroeira, às 20 horas, haverá um show pirotécnico.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.