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Desfile em SP é marcado por emoção, crítica social e referências culturais

Sete escolas desfilaram entre a noite de sexta e a manhã de sábado no Anhembi; arquibancadas estavam cheias

Foto do author Priscila Mengue
Por Priscila Mengue
Atualização:

A primeira noite de desfiles do grupo especial de São Paulo foi marcada pela emoção e alegria do retorno ao sambódromo do Anhembi após mais de dois anos. Os enredos - em grande parte - apresentaram críticas sociais e referências culturais ou religiosas, especialmente às de matriz africana. As arquibancadas estavam cheias, mas os ingressos não chegaram a esgotar.

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Tucuruvi aposta em carnaval crítico

A Acadêmicos do Tucuruvi voltou ao grupo especial com o samba-enredo “Carnavais… De lá pra cá, o que mudou? Daqui pra lá, o que será?”, cantando “O samba não acabou, nem vai acabar. Sou resistência, e você tem que respeitar". 

Na comissão de frente, 14 bailarinos faziam movimentos com as saias em que mostravam escudos das escolas paulistanas do grupo especial, entre elas, Barroca Zona Sul e Rosas de Ouro. Em outro movimento, formavam a frase "sou resistência".

Logo atrás, veio a ala das baianas, na qual desfilaram 45 mulheres, de 32 a 74 anos, e três homens, como nos primeiros carnavais paulistanos. O grupo vestia turbantes brancos floridos e havia um grande coração decorando os vestidos, com laços nas costas.

Comissão de frente da Acadêmicos do Tucuruvi homenageou 14 escolas do grupo especial do carnaval de São Paulo Foto: Taba Benedicto/Estadão

O abre-alas promoveu um retorno aos carnavais antigos, dos corsos, cordões e blocos de rua, propondo, dessa maneira, uma reflexão sobre a essência da folia. Nas laterais, destaques desfilaram sentadas sobre meia-luas suspensas e estandartes lembravam precursores do carnaval paulistano, como a Lava-Pés e o Cordão da Barra Funda. Logo atrás, uma ala inteira trazia desfilantes com as cores e estandartes do Vai-Vai.

No segundo setor, a escola lembrou do carnaval na Avenida Tiradentes, palco dos desfiles antes da construção do sambódromo, nos anos 1990. O segundo carro trazia novamente baianas com vestes tradicionais em meio à chuva de papel picado e dentro de cabines que, ao fechar, exibiam os escudos de escolas de samba paulistanas.

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No setor seguinte, a Tucuruvi levou o público ao carnaval mais recente, relembrando o início dos desfiles no Anhembi, das maiores escolas e até da criação das agremiações ligadas à torcidas de times de futebol. Em uma das alas, integrantes trajavam as cores da Gaviões. Em outra, cada folião saiu com dois escudos de cada lado da fantasia, como Dragões da Real e Vai-Vai.

A escola também refletiu sobre a festa atual, questionando se a essência popular permanece. Um dos carros alegóricos trazia o "Cassino Carnaval", com cifrões e livros com títulos irônicos como “Guia Prático de Monetização”, “Como Garantir o Seu Enredo Patrocinado” e “Como Conseguir Cortesia na Quadra”. Atrás, outros livros abertos questionavam: "Cadê o samba que estava aqui?" e trazia letreiros como "Imperdível", "Promoção", novamente questionando a influência do dinheiro no carnaval.

Por fim, o desfile encerrou com questionamentos sobre o futuro do carnaval, na busca da preservação da memória e no bom uso da tecnologia para incrementar a folia. No último carro, celebrava-se a Velha Guarda, simbolizando a preservação da memória.

O samba-enredo da Colorado do Brás teve como foco a obra da escritora Carolina Maria de Jesus.A escolha da agremiação foi"Carolina - A Cinderela Negra do Canindé" para dar vida à história da homenageada na avenida. Foto: Alex Silva/ Estadão

Colorado do Brás homenageia Carolina de Jesus

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A segunda escola a entrar no sambódromo foi a Colorado do Brás, que homenageou a escritora Carolina Maria de Jesus, mostrada como a "Cinderela do Canindé", em referência ao bairro paulistano em que viveu e escreveu grande parte de seus primeiros diários. "Um grito de coragem para cantar o amor/ Respeita a minha cor", dizia um trecho do samba-enredo.

O desfile se propôs a começar com uma saudação às pessoas marginalizadas. Entre elas, um homem vestido como pessoa em situação de rua estava um cartaz de papelão no qual dizia que Carolina de Jesus era a sua voz. A escritora, que foi catadora de papelão, teve a antiga ocupação lembrada no carro abre-alas, forrado com cerca de duas toneladas do material pintado.

No abra-alas, novamente, pessoas em situação de rua foram retratadas. "O maior espetáculo do pobre da atualidade é comer", "A fome dói" e "Posso ser você amanhã" diziam cartazes de destaques. Atrás, alas como a das baianas lembravam das origens africanas de Carolina, descendente de negros escravizados no Brasil.

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No segundo carro alegórico, a escritora apareceu com um livro na mão, enquanto uma destaque surgiu montada em uma borboleta gigante. Nas laterais, crianças e jovens fantasiados de corujas traziam livros com frases da autora. Atrás do carro, artistas se penduravam em tecidos controlados por uma alegoria de palhaço gigante.

Haviam referências circenses e a girassóis, junto a uma passista fantasiada de Carolina de Jesus. Na sequência, o segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira vestia roupas que lembravam papelão dourado, assim como a ala posterior também remetia ao período em que a escritora recolhia esse tipo de material.

O carro alegórico seguinte trouxe barracos como os de uma favela, onde partes dos integrantes vestiam roupas simples e outras pessoas usavam saiotes de saco de lixo. No topo da alegoria, foram reproduzidos trechos de escritos de Carolina. No último abre-alas, ela apareceu em um grande castelo de alvenaria, em referência a outro de seus livros.

Fantasias de mestre-sala e porta-bandeira da Mancha Verde remetiam à história de Nossa Senhora Aparecida Foto: Taba Benedicto/Estadão

Mancha Verde tem problemas para iniciar desfile

O desfile seguinte atrasou. Com problemas técnicos, o abre-alas da Mancha Verde entrou na pista do sambódromo depois de 12 minutos, porém, a escola não estourou o tempo regulamentar.

O enredo “Planeta Água” começou com uma comissão de frente com uma representação de Oxalá, seguida de outras entidades, como Exu. No abre-alas, havia uma fonte em que a água jorrava da boca de alegorias de peixes. Telões exibiam quedas d'água, mesmo recurso utilizado em outro carro.

Já o mestre-sala vestia chapéu e tinha uma capa de rede de pescador, enquanto a porta-bandeira era Nossa Senhora Aparecida, alusão à história dos que pescaram a imagem da santa. A escola fez paradinhas longas, de cerca de meio minuto, em que segurou o canto somente com o coro dos integrantes, que repetiam "Iemanjá, Iemanjá, rainha das ondas…" Outras escolas também utilizaram o recurso.

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O segundo carro da Mancha trazia referências indígenas, com uma alegoria giratória próxima ao topo, com bustos de mulheres. Mais atrás, alas com plantas vitória-régia, peixes e pescadores, em que os desfilantes seguravam varas e ficavam dentro de canoas. Já o terceiro carro também exibia imagens do fundo do mar em telões, com uma grande sereia à frente e uma integrante como Iemanjá. 

A história da obra "Pequeno Príncipe" adaptada para a região Nordeste. Foi assim que a Tom Maior entrou na avenida. Cacto echápeu de couro foram alguns dos elementos utilizados pela escola de samba para dar o tom do enredo. Foto: Alex Silva/ Estadão

Tom Maior faz a alegria da madrugada

A quarta escola começou a desfilar a partir das 2h25. O enredo da Tom Maior fez uma transposição da história de “O Pequeno Príncipe” para o sertão nordestino, inspirada em um cordel de Josué Limeira e Vladimir Barros. Na comissão de frente, um elemento cênico exibiu o desenho de chapéu (ou cobra que comeu um elefante) abordado na história. Bailarinos vestidos de personagens dançavam na parte interna da alegoria, que remetia a um teatro.

Na ala seguinte, fantasias mostravam sanfoneiros e percussionistas com chapéus e roupas típicas de parte do sertão nordestino. O carro seguinte reuniu dez grandes bonecos de instrumentistas, assim como foliões com fantasias semelhantes. No topo, um Pequeno Príncipe com chapéu meia-lua e, atrás, um planetinha com aberturas, pelas quais componentes giravam sombrinhas que lembravam flores desabrochando.

Outra ala foi aberta com bandeirinhas juninas, seguidas de fantasias com personagens do livro em roupas de festa junina, repetindo coreografias como se estivessem em um arraial. Já o carro alegórico seguinte trouxe uma ave que movia o pescoço e os olhos, em cujas laterais estavam ciclistas em bicicletas antigas e mulheres em balanços suspensos. 

O carro subsequente trouxe uma serpente articulada sobre um igreja colonial dourada, como se fosse um castelo, com estampas de chita. Atrás, uma ala com cactos e as baianas, no meio das quais o mestre-sala dançava com a porta-bandeira, vestido de Pequeno Príncipe e com uma rosa vermelha na mão.

Na bateria, os ritmistas estavam trajados de pilotos de avião, como o autor de “O Pequeno Príncipe”, Saint-Exupéry. O último carro também trazia um elemento articulado, um carrossel com aviõezinhos.

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Ritmistas da Unidos de Vila Maria durante desfile no sambódromo de São Paulo Foto: Taba Benedicto/Estadão

Limpeza de óleo na pista e a Vila Maria

Na sequência, após atraso por óleo na pista deixado na passagem anterior, a Unidos de Vila Maria fez um desfile de reflexão sobre a solidariedade e a coletividade. A comissão de frente trazia um artista circense com um bambolê gigante e bailarinos que representavam diferentes sabedorias.

As baianas desfilaram com detalhes dourados e seguravam grandes vasos com flores copo de leite. Elas foram seguidas por uma ala de soldados romanos, que faziam coreografias com lanças - elas chegavam a reverberar no chão. 

Os tempos antigos também foram tema do abre-alas, em que destaques laterais apresentaram uma coreografia que incluía simularem estátuas. "O mundo precisa de cada um de nós. A Vila é porta-voz", cantava a escola.

O carro seguinte trouxe uma grande Nossa Senhora Aparecida, além de referências a diversas religiões, como candomblé e budismo. Ele foi seguido de alas em referências aos idosos e aos "notáveis", médicos e professores.

O terceiro carro trouxe uma favela colorida, com roda de samba, pipa, salão de beleza e um paredão de grandes caixas de som. Uma das alas trazia palhaços doutores, como das organizações de voluntários que atuam em hospitais.

O amor virtual foi lembrado na ala seguinte, com emojis e corações. Já a bateria veio de ritmistas franciscanos, com cabelo típico e chinelos. O último carro alegórico, por sua vez, trouxe a diversidade amazônica, com araras, plantas e outras referências.

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Acadêmicos do Tatuapé foi a penúltima escola a desfilar na primeira noite de desfiles no Sambódromo. Foto: Alex Silva/ Estadão

No fim da madrugada, Tatuapé canta o café

Penúltima a desfilar, a Acadêmicos do Tatuapé trouxe a representação de um Preto Velho na comissão de frente para narrar a trajetória do café no Brasil. No abre-alas, a entidade era uma grande alegoria. Nas laterais do carro, passistas carregavam pipoca e outros elementos utilizados em cerimônias da umbanda.

No segundo carro, a referência foi a um casarão colonial de plantação de café. No topo, um homem branco segurava notas de dinheiro e uma xícara. O carro foi empurrado com ajuda de uma máquina, deixando marcas na pista do sambódromo do Anhembi - a escola demorou para avançar na avenida por dificuldades técnicas, mas não chegou a estourar o tempo.

No penúltimo carro, foram exibidas referências diversas às artes, incluindo um Roberto Carlos sentado sobre um violão gigante. A escola chegou à concentração com "Acredita, Tatuapé" pelos microfones. "Eu acredito", repetiam os integrantes emocionados.

Pela manhã, Dragões cantou a vida de Adoniran

Por fim, com desfile que começou às 6h45 (1h45 depois do previsto por conta do atraso no início do desfile e entre duas escolas, por causa de óleo na pista), a Dragões da Real encerrou o primeiro dia no Anhembi. O enredo abordou a vida e a obra do compositor Adoniran Barbosa, com um dos netos do artista (Alfredo Rubinato) entre os onze autores do samba-enredo.

A comissão de frente trouxe um homem vestido de Adoniran junto a um corpo de baile e um elemento cênico no formato de uma caixa de fósforo (item no qual sambistas costumava batucar suas composições). A caixa se abria e se transformava em um bar. Logo atrás, as baianas desfilaram com broches com a foto do cantor paulistano.

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Comissão de frente trazia representação de Adoniran Barbosa, homenageado no enredo da escola Foto: Taba Benedicto/Estadão

Na ala seguinte, os desfilantes estavam de caveira, a qual era sustentada acima de cada um, alcançando cerca de três metros. No abre-alas, alegorias de esqueletos sambistas portavam instrumentos, virando da esquerda para direita.

O segundo carro trouxe um cortiço semelhante à Vila Itororó, localizada no Bixiga, bairro ligado ao cantor. Um trecho da coreografia mostrava um policial expulsando uma família do lar. Em outra, parte dos integrantes estava fantasiada de garçom e empurrava mesas de toalha listrada, estilo cantina, com cerveja, dominó e carteado.

Na sequência, alas lembraram escolas tradicionais de São Paulo: Vai-Vai, Camisa Verde e Branco, Unidos do Peruche, Neném de Vila Matilde e Unidos de Vila Maria. Já o último carro homenageou baluartes do carnaval paulista, como Seu Carlão da Peruche. 

Segundo dia de desfiles no Sambódromo neste sábado, 23:

  • 22h30: Vai-Vai
  • 23h35: Gaviões da Fiel
  • 0h40: Mocidade Alegre
  • 1h45: Águia de Ouro
  • 2h50: Barroca Zoa Sul
  • 3h55: Rosas de Ouro
  • 5h00: Império de Casa Verde