
12 de junho de 2010 | 00h00
O homem chegou com o semblante fechado. Apoiou as mãos no balcão, soltou um "boa tarde" regulamentar e afundou na cadeira. Estava angustiado. "O senhor gostaria de escrever uma carta?", perguntou a atendente. "Quero resolver isso logo", ele rebateu, num português que não parecia daqui.
Francis Ngawa, professor francês de 34 anos, procurou anteontem o programa Escreve Cartas, no Poupatempo de Itaquera, zona leste de São Paulo, para expressar seus sentimentos - já faz um mês que ele anda contrariado, sem saber como convencer Luzia, a sua Lu, a voltar a falar com ele. E o seu português não ajuda. "No Dia dos Namorados, bateu vontade de pedir para escreverem o que não consigo dizer bem", explicou, já relatando sua história à voluntária Márcia Calixto.
"Lu,
Sei que não estamos numa boa fase, e que no último mês não nos entendemos. Mas gostaria que a gente voltasse a ser um casal. Por isso, espero do fundo do coração que você acredite na sinceridade desse sentimento."
E assim seguiu Francis, explicando à Lu que espera que o relacionamento de 5 anos continue. A expressão de Francis suavizava, à medida em que Márcia lia a carta. No fim, ele sorria.
Logo que o francês saiu, sentou-se no lugar um senhor tímido, que demorou a se explicar - soltou, enfim, que buscava uma "carta para sua menina". "É para acompanhar o presente", explicou o aposentado Sabino da Silva, de 79 anos. Queria "um outro presente", além do forno elétrico que comprou para a mulher, Josefa. E lá foi a voluntária Tiyoko Samejima, providenciar o acompanhamento:
"Querida Josefa,
Quantos anos se passaram desde que saímos de Anadia, em Alagoas, e logo após nos casamos? São quase 45 anos dividindo nossas vidas. Os filhos chegaram e nos encheram de alegria. Por isso, querida Josefa, presto minha homenagem."
No fim, Sabino havia deixado a timidez de lado. "Ela vai gostar muito disso aí, viu? É muito sensível, vai se emocionar", disse.
Em dias que antecedem datas comemorativas, o movimento no Escreve Cartas aumenta - no mês dos namorados, informa o governo, a procura em Itaquera (882 cartas ao mês) aumenta cerca de 16%, beirando os 1 mil atendimentos.
"As pessoas não esperam receber a atenção que damos. Acabamos servindo também como psicólogos", diz a voluntária Tiyoko, há um ano escrevendo cartas. "São sonhos e sentimentos que colocamos no papel."
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