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Debate sobre racismo na escola deu origem à 1ª Expo Internacional da Consciência Negra em SP

Tradições carnavalesca e africana inspiram evento, que ocorre entre 19 e 22 de novembro; ação da Prefeitura também envolve formação para professores da rede municipal

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Por Gonçalo Junior
Atualização:

Por que eu tenho de falar sobre pretos na sala de aula? Foi essa questão que a professora Adriana Vasconcelos recebeu de volta, de algumas colegas da rede municipal de São Paulo, ao perguntar informalmente sobre o conteúdo de História e Cultura Afro-Brasileira. Desde 2003, a lei prevê que o tema faça parte do currículo das escolas, mas a lei nunca entrou de fato nas salas de aula.

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Hoje Adriana trabalha como assessora especial da Secretaria de Relações Institucionais da Prefeitura de São Paulo e destaca duas frentes de ação, para melhorar a forma como isso é tratado pelo poder público municipal. Uma é a criação de um curso de pós-graduação sobre racismo estrutural para os docentes da rede. A outra é a 1.ª Expo Internacional da Consciência Negra, evento com programação gratuira que vai discutir o tema a partir da linguagem do carnaval.

Entre os dias 19 a 22, esculturas e alegorias carnavalescas pretendem resgatar a importância da população negra na história da humanidade, das ciências às inovações tecnológicas, em 10 mil metros quadrados do Anhembi, zona norte da cidade. A Prefeitura espera receber cerca de 5 mil pessoas por dia que devem passar por cinco alamedas temáticas (educação, cultura, empreendedorismo, tecnologia e mulher). O evento será internacional, com participação de representantes de países africanos, que vão detalhar as possilibidades de parcerias econômicas. Os principais focos são tecnologia e educação. O último dia terá um seminário fechado para explorar possibilidades de negócios. A exposição está inserida no projeto São Paulo, Farol de Combate ao Racismo Estrutural, que pretende promover a igualdade racial.

Artesãos trabalham na construção cenográfica da 1ª Expo Internacional da Consciência Negra Foto: Taba Benedicto/Estadão

A linguagem carnavalesca foi escolhida por sua identificação com a população negra e pela possibilidade de abrir os olhos da população de uma maneira lúdica para um tema espinhoso – a permanência da herança escravocrata na sociedade. O foco é a educação. Um dia do evento será dedicado às visitas dos estudantes da rede municipal. As crianças terão atividades específicas, com jogos e brinquedos de origem africana. “Uma das nossas preocupações é o fato de a Lei 10.639 (sobre ensino da história e cultura africanas) não estar dentro das escolas. Precisamos de um evento com desdobramentos para a educação e para políticas públicas”, comenta Adriana, curadora da Expo.

Adriana percebe a lacuna na formação dos professores a partir de sua própria experiência no ensino médio – ela lecionou na rede municipal de 2006 até o ano passado, quando foi para a secretaria. Mas a professora vê mudanças em curso. “Nós (os negros) estamos ocupando espaços de poder que antes eram vetados, como a universidade. Quando rompemos essa barreira, levantamos uma nova narrativa. Vamos contar uma história que ainda não é contada nas salas de aula”, afirma.

Entre os dias 19 a 22, esculturas e alegorias carnavalescas pretendem resgatar a importância da população negra na história da humanidade Foto: Taba Benedicto/Estadão

Além da exposição, as secretarias de Relações Institucionais e de Educação trabalham no aperfeiçoamento da formação antirracista dos professores. Um curso de pós-graduação, com conteúdo prático e teórico sobre racismo estrutural, está em elaboração. A ideia é lançá-lo no início do ano que vem. 

O projeto será implementado a partir da diretorias regionais de ensino e das unidades escolares municipais. A Escola Municipal de Educação Infantil Nelson Mandela será utilizada como modelo uma vez que já incorporou a cultura afro-brasileira ao currículo. 

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A formação também vai completar a experiência dos educadores na sala de aula. No caso de Adriana, a vivência também é de militante do movimento negro e uma das primeiras a abordar o tema, mais de uma década atrás. A professora conta que ainda hoje ex-alunos voltam para agradecê-la por terem sido os primeiros de suas famílias a cursar o ensino superior. Sua própria história pessoal é assim. Filha de um policial militar e uma dona de casa, Adriana integra a primeira geração de sua família a chegar à universidade. Aos 49 anos, a moradora da zona norte tem dois filhos – um deles, Rafael, já estuda Engenharia Naval na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A professora Adriana Vasconcellos, assessora especial da Secretaria Municipal de Relações Institucionais, nos preparativos da Expo Consciência Negra Foto: Daniel Deák / SPTuris

As memórias de educadora negra trazem, entre os episódios inesquecíveis, uma viagem com 10 alunos da escola Vereador Antonio Sampaio, na zona norte, para os Estados Unidos em 2014. O intercâmbio foi fruto de uma parceria entre o Museu Prince George's , de Washington, e o Museu Afro, de São Paulo, para estudar os impactos da escravização lá e aqui. “Lá, conseguimos ver como os negros alcançam os espaços de poder. É isso que estamos fazendo aqui também."

Serviço

1ª Expo Internacional – Dia da Consciência Negra Local: Pavilhão do Anhembi Visitação pública: 20 a 22 de novembro Horário: 10h às 20h Entrada gratuita Transporte gratuito das estações Barra Funda e Tietê do Metrô Mais de 100 expositores de diversos setores

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