Culto e abraço coletivo homenageiam vítimas na escola Raul Brasil, em Suzano

Dois atiradores atacaram a escola há uma semana, matando oito pessoas; celebração reuniu representantes de diversas religiões, alunos, pais e funcionários

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Por Paula Felix
Atualização:

SUZANO - Um culto ecumênico em homenagem às vítimas do massacre na Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano, foi realizado na manhã desta quarta-feira, 20, quando completa uma semana do ataque. A celebração, acompanhada por pais, alunos e professores, foi realizada na quadra da escola.

Estudantes, pais e funcionários em um abraço coletivo na escola Raul Brasil, em Suzano; em 2019, um ataque no colégio deixou 10 mortos Foto: Werther Santana/Estadão

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Antes do início da cerimônia, jovens cantavam músicas religiosas na porta da escola. Alguns alunos do Centro de Estudos de Línguas (CEL), que funciona dentro da unidade, chegaram uniformizados.

O técnico em abastecimento Silvio Cesar Marsola de Souza, de 47 anos, foi com o filho, aluno da escola. "Eu estava longe do problema e não consigo aceitar e dissipar a dor no meu peito. Eu imagino como está a situação dele e de todos os outros alunos que vivenciaram."

Souza conta que foi à escola para dar apoio ao filho, o estudante Gabriel Santos de Souza, de 16 anos. "É um sentimento de estar próximo dele e dar força para ele superar isso, porque ele não vai conseguir esquecer. Mas eu tenho de estar junto para que supere isso e viva daqui para frente. Ele tem o compromisso e a responsabilidade com a vida e com as pessoas e com o que puder fazer de bom daqui para frente."

O jovem se emocionou ao relembrar do episódio. Ele perdeu um amigo na tragédia. "A gente estava no intervalo, jogando truco, e ouviu os disparos. A gente começou a correr. Veio na nossa direção e não vi mais o meu amigo, o Douglas (Murilo Celestino), que estava comigo."

Ele disse que o retorno às aulas será difícil, mas que a cerimônia trouxe conforto. "Sabemos que está todo mundo unido para conseguir superar. Não estou conseguindo dormir bem comer, penso o tempo todo. É um sentimento de tristeza."

O culto teve início por volta das 10h25 e contou com a participação de representantes de várias religiões, como igrejas evangélicas e católica, a umbanda e o espiritismo."Para nós, ainda é um momento de muita aflição e tristeza. Estamos consternados, mas não estamos destruídos", disse o pastor Valter Oliveira, da Igreja Comunidade da Graça.

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Durante celebração, participantes distribuíram flores e acenderam velas em homenagem às vítimas Foto: Werther Santana/Estadão

Rosas brancas foram distribuídas para os participantes do ato e um poema feito pelo aluno Cleiton Antonio Ribeiro, uma das vítimas fatais, foi lido por um estudante.

Às 11h10, ao som de "Dias Melhores" (Vivemos esperando / Dias melhores / Dias de paz, dias a mais / Dias que não deixaremos para trás), da banda Jota Quest, as pessoas que acompanhavam a cerimônia começaram a sair de mãos dadas e iniciaram um abraço coletivo no prédio da escola. O secretário de Estado da Educação, Rossieli Soares, e o prefeito de Suzano, Rodrigo Ashiuchi, também participaram.

Durante a manhã, caminhões levaram materiais para escola e novas carteiras. A unidade também passou por reforma.

"Em virtude de todo o trauma que se passou por aqui, a pedido dos alunos, dos professores e de toda a comunidade, (foi feita) a mudança das paredes, do piso e aqui tem mudanças significativas, porque é um outro olhar que vai além de ter a escola bonita", diz Soares.

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De acordo com o secretário, ainda não há uma data para o retorno oficial das aulas. "Os professores e a direção terão reuniões ainda nesta semana e discutirão o tema e como fazer. É a secretaria apoiará todo o trabalho. Respeitaremos o tempo de recuperação de todos. Os alunos estão querendo voltar, mas isso precisa estar organizado."

Força

Alunos e professores que presenciaram o ataque também acompanharam o culto. Eles disseram que a cerimônia foi importante não só para homenagear as vítimas, mas para dar forças à comunidade escolar no retorno às atividades. "Fiquei muito comovido. Agradeço à escola por ter feito isso por nós", diz o estudante Matheus Augusto Barbosa, de 15 anos, que se escondeu no banheiro no dia do massacre.

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Ele estava perto do refeitório quando ouviu os primeiros disparos. "Vi a correria e comecei a me desesperar. Fui me esconder e vi uma das inspetoras caindo. Entrei em um dos banheiros e tentei ligar para a polícia. Tinha muita gente ligando."

O adolescente chegou a pensar que o atirador entraria no local, que não ficou totalmente em silêncio enquanto estudantes estavam lá. "Estávamos em um grupo, todos juntos, e acabamos acionando a descarga. Nessa hora, ouvi mais disparos. Depois, chegaram os policiais."

Professora de espanhol do CEL, Paloma Correia Pires, de 38 anos, abrigou cerca de 20 alunos que estavam no pátio em uma sala de aula. Naquele dia, a atividade seria fora da sala. "Mandei todo mundo se jogar no chão e fiquei olhando por uma janela. De lá, dava para ver o portão que dava acesso (às salas). Eles acuaram diversos alunos. Vi quando acertaram dois."

A professora de espanhol Paloma Correia Pires abrigou cerca de 20 alunos que estavam no pátio em umasala de aula Foto: Paula Felix/Estadão

Da mesma janela, ela conseguiu ver a entrada dos policiais e tranquilizar os estudantes, que tiveram a certeza de que podiam deixar a escola em segurança. 

O apoio dos pais, alunos, órgãos públicos e da comunidade tem sido importante para a retomada das atividades, segundo ela. "Estamos tendo esse tempo de homenagens, comoção e abraço que estão nos dando vai facilitar o retorno."

Também professora do centro, Claudete de Mattos Fratin de Oliveira, de 51 anos, lembra que sua turma foi a última a sair da escola, pois a sala fica localizada nos fundos do prédio. Ao escutar os tiros, só pensou em proteger os cerca de 20 alunos que acompanhavam a aula. "Pedi para eles deitarem no chão, fechei a cortina e apaguei a luz."

Bateram na porta pedindo socorro. "Tive o ato de abrir e eles entraram correndo. Foi um ato do coração. Uma menina estava baleada e disse que estava com falta de ar. Eu falei: 'Hoje ninguém vai morrer'." Ela estima que havia cerca de 30 estudantes na sala. A professora relata que dois golpes fortes foram dados na porta e, em seguida, houve um momento de silêncio.

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Somente após a chegada dos policiais, ela abriu a porta novamente. "Eles pediam para a gente não olhar, mas fomos vendo aquele cenário", relembra.

A professora elogiou a realização da celebração. "Esse ato foi importante para todo mundo se unir. Nós nos fortalecemos para receber os alunos."

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