Crise da água muda hábito de moradores

Armazenar água da chuva, lavar menos louça, limpar a piscina de outro jeito: paulistanos contam qual será o legado da seca histórica

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Por Rafael Italiani
Atualização:

A maior crise hídrica da história de São Paulo impôs novos hábitos à população em relação ao uso da água. Parte das 20 milhões de pessoas da região metropolitana abastecidas pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) está buscando formas alternativas de captação do recurso para driblar a redução da pressão e o fechamento da rede e se prepara para um eventual rodízio oficial. O objetivo é depender cada vez menos da empresa e mais da chuva. 

A mudança de hábitos é semelhante à que aconteceu durante o apagão energético de 2001, quando a população também teve de se adaptar. Naquela época, ganharam força as lâmpadas de baixo consumo e os equipamentos mais econômicos.

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Cada vez mais a captação de água da chuva vem se tornando uma alternativa. O engenheiro de tráfego Weliton Bastos, de 42 anos, montou um esquema no quintal de sua casa, no Ipiranga, zona sul de São Paulo, para captar a água da chuva que se acumula na calha. Para isso, comprou duas caixas de 500 litros. “Aqui em casa, mesmo se encher o Cantareira, não vamos mudar mais nossos hábitos.”

A água é usada para lavar o quintal e dar descarga. Na chuva da última quarta-feira, ele conseguiu armazenar 760 litros. “Para mim é uma mudança de comportamento que vai durar para sempre.” 

O sobrado da arquiteta Juliana Llussa, de 44 anos, tem uma piscina de 36 mil litros na cobertura. Para evitar o desperdício, ela parou de usar água da rua para encher a área de lazer e não usa mais o aspirador para fazer a limpeza, prática que consome água. “Agora espero chover para encher a piscina. Em vez de usar o aspirador, faço o tratamento com cloro e a água fica limpa do mesmo jeito”, disse.

Segundo ela, caso a crise se agrave, a água da piscina será usada para a limpeza da casa. Ela também diz estar lavando menos louça. “Não coloco mais os pires das xícaras na mesa do café. É uma louça que suja pouco, não é essencial.”

As dez famílias que dividem um terreno no Sumarezinho, zona oeste, reduziram em 39,3% o consumo de água da Sabesp. Em dezembro de 2013, os moradores consumiram 28 mil litros de água. Um ano depois, o gasto era de 17 mil litros. “Aqui, quando chove, é até engraçado. Sai todo mundo correndo com os baldes para pegar chuva. Como a rua é alta, a água não chega na torneira”, explicou a musicista Fernanda Barbosa, de 21 anos, que mora em uma das casas.

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Na quarta-feira, o Estado contabilizou 600 litros de água em baldes. “Vai ser para sempre. A gente consome menos água, paga um valor menor e vive bem.” 

As mudanças também atingem os comerciantes. O empresário Francisco Severiano Alves, de 49 anos, investiu R$ 4 mil, no fim de 2014, para adaptar as calhas e o reservatório de água de 20 mil litros que tem dentro de sua oficina mecânica, em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo. “A gente perdia muita água da chuva, então fizemos as mudanças para conseguir aproveitá-la. É água de graça para lavar peças, a garagem e usar no vaso sanitário.” 

Paradigma. Para Antonio Eduardo Giansante, mestre em Engenharia Hidráulica e Saneamento e professor da Universidade Mackenzie, as adaptações para conseguir a “independência hídrica” são positivas. “É uma mudança de paradigma. As pessoas estão tomando consciência de que a água é limitada.” Ele diz, porém, que o poder público deveria dar mais informações e instruções sobre como armazenar a chuva para evitar contaminações e dengue.

Segundo Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas da SOS Mata Atlântica, a mudança de comportamento foi o único aspecto positivo da crise hídrica. “Para ser permanente, esse tipo de mudança tem de fazer parte do nosso cotidiano, não apenas em tempos de crise.” 

No São Paulo Futebol Clube, a limpeza de arquibancadas e de outras áreas comuns está sendo feita com jatos de ar. “Buscamos cada vez mais eficiência dentro do clube”, explicou Eduardo San Martin, diretor de Meio Ambiente do SPFC.

O consumo caiu de 5,9 milhões de litros, em outubro, para 2,4 milhões, em janeiro. A medida de maior impacto foi no gramado do Morumbi. Como há minas no subsolo, o clube adaptou os veios, canalizou para um reservatório e usa a água para irrigação. “O gramado é nosso local de trabalho e precisa estar prefeito.”

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