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Contra efeitos do frio, médicos atuam nas vias da capital paulista

Moradores de rua com risco de hipotermia são o foco durante a noite em programa da Prefeitura de São Paulo existente há cinco anos

Foto do author Fabiana Cambricoli
Por Fabiana Cambricoli
Atualização:

SÃO PAULO - O relógio se aproximava das 20 horas na última quinta-feira, o vento gelado começava a incomodar e a previsão era de que, naquela noite, uma nova frente fria derrubasse a temperatura na capital paulista. Alheio ao presente e às previsões para o futuro, seu Erasmo dormia em uma calçada da Rua Professor Laerte Ramos de Carvalho, na Bela Vista, região central de São Paulo. Sem colchão nem cobertor, o morador de rua podia se tornar vítima de hipotermia se o frio chegasse com força.

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A médica Maíra Guedes Jacob, de 36 anos, não teve dúvidas. Era melhor acordar o homem para checar suas condições de saúde e oferecer atendimento médico e abrigo. Naquele momento, ela e a equipe do projeto Consultório na Rua, da Secretaria Municipal da Saúde, já haviam percorrido três quilômetros a pé pelo bairro oferecendo auxílio a moradores de rua e buscando identificar aqueles com maior risco de hipotermia.

O projeto existe há cinco anos e oferece atendimento especializado à população de rua tanto em unidades básicas de saúde (UBSs) quanto nas vias públicas. No ano passado, foram 205 mil atendimentos. Há 18 equipes distribuídas pela cidade. Todas contam com médico, enfermeiro, psicólogo, assistente social e auxiliares de enfermagem, além de agentes sociais e de saúde. Neste ano, no entanto, com a morte de cinco moradores de rua durante uma onda de frio em junho, a Prefeitura ampliou o horário de atendimento das equipes para além do funcionamento das UBSs. Todos os dias, das 17h às 20h, profissionais de saúde do projeto percorrem as vias da cidade com a missão de identificar e cuidar dos mais vulneráveis.

Na Bela Vista, equipe encontrou seu Erasmo Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO

No caso do seu Erasmo, a checagem das condições de saúde se tornou mais complicada por causa da embriaguez. Nem idade nem sobrenome foram revelados pelo homem que aparentava 50 e poucos anos. “À noite até conseguimos encontrar mais moradores de rua, porque eles ficam mais parados, mas há a dificuldade de fazer o atendimento, porque é o período em que eles costumam estar mais sob o efeito de drogas ou álcool”, diz Maíra.

As ações básicas da equipe são medir a temperatura e a pressão do paciente. Se o termômetro marcar menos de 35,8ºC, a orientação é chamar uma ambulância do Samu. “Abaixo de 35ºC consideramos uma hipotermia leve, mas já acendemos o alerta a partir dos 35,8ºC porque, em geral, de madrugada, a temperatura cai ainda mais e não estaremos aqui nesse momento”, explica Maíra. “E o pior é que, como o álcool dá a impressão de esquentar o corpo, ele esconde a percepção de frio.”

Como a pressão e a temperatura de seu Erasmo estavam normais, o máximo que a equipe pôde fazer foi chamar um veículo da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social para levá-lo a um abrigo, oferta recusada pelo morador de rua após quase 40 minutos de tentativa dos funcionários.

Nas abordagens, a médica tem o auxílio de agentes sociais que já foram moradores de rua. A contratação desses profissionais é feita pela ONG Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, uma das entidades que administram o projeto, em parceria com a Prefeitura. “A gente já passou pelo que eles estão passando, então conseguimos entender melhor”, diz José Levi Pereira, de 31 anos, agente social há quase 3 e que, entre 2005 e 2013, teve de viver na rua ou em albergues em diversas ocasiões.

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Crônicos. O trabalho dos agentes é fundamental também em outras ações da equipe, como na garantia da continuidade de tratamentos de doenças crônicas ou de problemas que podem aumentar o risco de hipotermia. Todas as noites, o agente Danilo Lima, de 25 anos, leva a medicação contra tuberculose para Joelington Macena dos Santos, de 32 anos, que vive na calçada da Praça Pérola Byington, também na Bela Vista. O tratamento dura pelo menos seis meses. “É bom que eles venham trazer aqui para que a gente não perca ou esqueça nenhum comprimido”, diz Santos.

Nas visitas, a equipe também dá orientações sobre outros problemas de saúde. “Morrer de frio eu não morro porque a gente fica bem agasalhado, mas foi bom ter a visita da médica porque estou com uma paralisia nas mãos e ela me examinou e me orientou a ir ao posto para conseguir fazer os exames”, diz Douglas Camargo, de 43 anos, que dorme no vão-livre do Masp.

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