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Como Nova York se tornou 'bike-friendly'

Antigamente inóspita aos ciclistas, cidade americana que decidiu há alguns anos investir no transporte sobre duas rodas serve de exemplo a SP

Por Rodrigo Burgarelli
Atualização:

De certa forma, São Paulo pode ser comparada a Nova York. Além de grandes centros empresariais, as duas cidades são palco de uma batalha diária protagonizada por 20 milhões de pessoas em seus deslocamentos. Por muito tempo, ambas tentaram resolver esse desafio logístico com avenidas largas, pontes e viadutos, além de trens e metrô. Mas os baixos índices de mobilidade e a alta poluição levaram a cidade americana a apostar seriamente em uma nova solução: a bicicleta.Assim como São Paulo, Nova York foi por décadas inóspita aos ciclistas. Era comum ouvir o que hoje se diz na capital paulista, que "aqui não é lugar para se pedalar." A distância entre casa e trabalho e o tráfego pesado eram impeditivos apontados. Isso até 2006, quando, após o projeto de pedágio urbano do prefeito Michael Bloomberg fracassar no Legislativo, a bicicleta se tornou a aposta da prefeitura para melhorar a mobilidade.Naquele ano, um plano de construção de 320 km de ciclovias e ciclofaixas foi elaborado com intenção de dobrar o porcentual de deslocamentos diários feito sobre bicicletas até 2012. A infraestrutura foi totalmente inaugurada em 2009 e, um ano antes do esperado, já existia o dobro de ciclistas do que havia em 2006. "Nova York certamente está muito mais amigável para bicicletas. Cinco anos atrás, a cidade estava completamente congestionada por automóveis. Era impossível continuar assim", disse ao Estado o diretor executivo da New York Bicycling Coalition (NYBC), Brian Kehoe.Além das ciclofaixas, 20 bicicletários públicos e 3,1 mil paraciclos foram abertos aos ciclistas. No meio deste ano, um sistema de empréstimo de bicicletas - serviço que em cidades europeias já é considerado tão essencial quanto ônibus ou metrô -, com 600 estações de aluguel e mais de 10 mil bicicletas, deverá ser inaugurado.Como foi possível uma mudança tão profunda em menos de uma década? "A razão é simplesmente vontade política. O prefeito pôs como prioridade o uso da bicicleta como meio de transporte e autoridades asseguraram que essas políticas fossem postas em práticas", afirmou Kehoe. O plano agora é que, até 2030, a cidade tenha mais de 2.800 km de ciclovias e ciclofaixas, o que deverá mais que triplicar o número de ciclistas.O plano é ousado e, por inverter a lógica de transporte usada em grande parte do século 20, enfrenta várias críticas. Atualmente, a aceitação aumentou nos bairros onde as ciclofaixas foram instaladas há mais tempo, já que os motoristas acabaram se acostumando. "Em bairros onde os carros ainda dominam, como Staten Island, por exemplo, ainda existe uma forte resistência", explicou o diretor da NYBC.O consultor dinamarquês Mikael Colville-Andersen, do Copenhagenize, tem uma visão mais sistêmica. "A questão é que o modelo de mobilidade centrado no carro está falindo. Várias cidades ao redor do mundo já perceberam isso, inclusive São Paulo, e agora é questão de tempo para elas se adaptarem. As mais afeitas a mudanças estão saindo na frente, mas é questão de tempo."Ele já esteve duas vezes na capital paulista e acredita que, assim como Nova York, São Paulo precisa de vontade política para tanto. "As ações aqui ainda são muito fragmentadas. Em Copenhague, nosso planejamento ciclístico é feito com base no horizonte de 2025", disse Colville-Andersen. Segundo ele, o número de ciclistas em São Paulo só vai aumentar quando a "demanda reprimida" - pessoas que andariam de bicicleta, mas que não o fazem por causa do perigo de pedalar nas ruas - for estimulada com a construção de infraestrutura. "Se Nova York - que é uma cidade enorme e cheia de carros - está conseguindo, São Paulo também pode."

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