Com cursos online e encontros, 'escolas' para pais oferecem orientações para educar crianças

Projetos têm como foco os desafios que as famílias encontram no dia a dia, como educar sem brigar; especialista recomenda envolvimento entre pais e filhos

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Por Paula Felix
Atualização:

SÃO PAULO - A fórmula para a criação dos filhos imaginada pela dona de casa Ester Veras Cardoso de Paula, de 34 anos, envolvia utilizar a base do que seus pais fizeram e fazer algumas adaptações. Jade, de 3 anos, e Raul, de 1 ano, mostraram que não era tão simples assim.

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Entender o temperamento das crianças, educar sem brigar e até os conceitos montessorianos estavam entre os seus interesses e ela resolveu buscar esses conhecimentos em um curso voltado para pais. Em plataformas online e em rodas de conversa, esse tipo de curso tem se atualizado e focado mais nos desafios do dia a dia das famílias para que os pais tirem dúvidas e também compartilhem suas experiências.

"Tenho aprendido que educar não é fácil. Sempre pensei que educar batendo não seria legal, mas eu me sentia muito mal dando uma bronca na minha filha e precisava buscar outras maneiras de educar sem ser brigando. Às vezes, tiro uma horinha de madrugada para ver e assisto com o meu marido também."

A dona de casa Ester Veras e o marido buscaram orientações para a criação dos filhos Jade e Raul Foto: Tiago Queiroz/Estadão

As orientações já tiveram um pacto na rotina da família. "Percebo muita diferença no comportamento da Jade e tanto eu quando o meu marido estamos agindo diferente, porque começamos a olhar para a criança de outro jeito, a enxergar o mundo dela. Se ela joga algo ou grita, entendemos que ela ainda não tem maturidade para se expressar. A gente explica o que ela está sentindo e a acolhe."

Inaugurada há pouco mais de um ano, a plataforma Mundo em Cores oferece vídeos que podem ser vistos de acordo com a disponibilidade dos pais.

"As famílias estão menores e com tempo escasso, o deslocamento espacial é um desafio e muitas pessoas não conseguem acompanhar algo presencial. Dessa forma, a gente consegue ser acessível para todo mundo e os pais podem pausar ou ver de novo", diz Isa Minatel, diretora pedagógica e psicoledagoga da plataforma, que já atendeu mais de 3.200 pessoas.

Ela já trabalhava com treinamento para pais e professores, trabalho que serviu como base para identificar as questões que mais geravam dúvidas nos pais. A duração dos vídeos também é pensada para atender às necessidades deles.

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"No curso sobre o sono infantil, não fazemos algo que dure muito tempo, porque é um problema urgente. Já no curso de montessori, que não é uma emergência, é possível trabalhar uma mudança comportamental e pode demorar mais."

As dúvidas fazem parte da rotina de quem tem um filho, assim como a sensação de se sentir perdido e de não ter instrumentos para lidar com alguma situação. E é nesse ponto que os cursos pretendem atuar, oferecendo ferramentas e reflexões para os pais. "A gente aprendeu que educar tinha a ver com punição e ameaça, mas isso é adestramento, não é educar. Quando eles veem que tem como educar e viver em harmonia, sem viver brigando, sofrendo e causando sofrimento ao educar, muda tudo."

Encontros virtuais, para quem precisa de um programa personalizado, ou rodas de conversa fazem parte da proposta do Educa para Pais, em atividade desde agosto do ano passado e que trabalha três eixos temáticos: como escolher a escola para a criança, como dar limites para os filhos e os desafios de educar em tempos de acesso ilimitado a mídias digitais.

"A gente percebeu uma demanda de pais buscando novos conhecimentos sobre o que fazer para educar os filhos nessa correria que temos hoje. Hoje, as famílias vivem em busca de um ideal que é apresentado com padrões e frustra muito quando eles não acontecem. O exercício que promovemos é de tomar consciência do seu real e do dia a dia da sua família para que estimular os pais a criar o que possível para eles", relata a pedagoga Érica Côrtes, umas das idealizadoras do projeto.

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Mesmo com a difusão dessa opção para tirar dúvidas e compartilhar anseios, alguns pais não se sentem confortáveis com a ideia de fazer um curso focado em maternidade e paternidade, segundo a também pedagoga e idealizadora do projeto Anny Araújo. "Existe ainda um certo constrangimento, porque as pessoas têm medo de que os outros pensem que elas não sabem criar os filhos. As pessoas acreditam que é algo muito orgânico. Os homens ficam um pouco desconfortáveis, mas acabam fazendo."

Na visão de Valdete Pasini, criadora da Escola para Pais, em atuação desde maio do ano passado e que já atendeu 250 famílias, os pais já conseguem educar os filhos sem as palmadas, mas se deparam com o desafio de orientar sem gritos e castigos.

"Eles gritam muito para não bater e colocam os filhos no cantinho do pensamento. Mas sobre o que a criança vai pensar? Mostramos que os pais têm de estar juntos para ajudar o filho a construir o pensamento. Costumo fazer os encontros em escolas públicas e particulares com grupos de 25 pais e mães. Nesses encontros, eles interagem o tempo todo, mostram o que está acontecendo, falo sobre o tema, abro o debate para a roda e fazemos dinâmicas." Também existe a possibilidade de atendimento personalizado por Skype ou WhatsApp.

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Reflexões

"Se um adulto fizesse isso, você o repreenderia dessa forma?". Essa é uma das reflexões que fazem parte do repertório da administradora financeira Luana Pinheiro, de 34 anos, que participou de um desses encontros voltados para pais na escola dos filhos. Mãe de Samuel, de 4 anos, Benjamin, de 3, e Lavínia, de 1 ano, ela diz que as rodas de conversa não a fazem só pensar em como criar os filhos, mas a compreender o universo deles.

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"Eu me lembrei de como era quando eu era criança, de momentos gostosos com a minha mãe e até mudei a disposição do quarto deles, porque eu gostava de brincar no quarto quando era criança. Não imaginava que educar um filho era tão desafiador."

A professora de Educação Física Priscila Fonseca, de 33 anos, já buscava referências em livros e blogs, mas gostou da experiência de receber orientações de profissionais e trocar informações com outros pais.

"Estamos acostumados a uma criação mais autoritária. Com essa quantidade de informação que está pipocando em diversas plataformas, a forma de educar do passado não funciona com as crianças de hoje. Temos de recorrer a alternativas novas."

Priscila participou de rodas de conversa na escola da filha Ana, que tem 3 anos, e a presença de pais dos amigos da criança foi algo que ela achou interessante. "Achei maravilhoso, porque esse projeto fala sobre criação com apego, a disciplina positiva, sobre criar os filhos com mais empatia, mais respeito. Eles são crianças, mas já são seres humanos com vontades e desejos. E os pais dos amigos da minha filha estão tendo a oportunidade de conhecer isso também."

Orientações podem ser inspiração, diz especialista

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As orientações podem inspirar os pais, mas cada situação deve ser resolvida de acordo com arealidade da família. Sem nunca se esquecer que os filhos se tratam de indivíduos em formação, segundo Ricardo Monezi, especialista em medicina comportamental da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

"Esses cursos ajudam a formatar um arcabouço de compreensão de quem é a criança, mas não pode ter a expectativa de ganhar um manual de instrução. É importante que os pais busquem essas ferramentas, mas que não devem buscar essas habilidades como muleta. O que nenhum curso ensina é o sentimento fundamental que os pais devem ter de amor, entrega e dedicação."

Ainda na avaliação de Monezi, a criação dos filhos precisa do envolvimento não só dos pais, mas da família, dos amigos e da sociedade para que a criança entenda que está inserida "em um mundo com valores a serem respeitados, no qual ela tem direitos, mas também tem deveres para que ela desenvolva, nesse processo de educação, a visão de que ela é uma pessoa fundamental para a construção de um futuro melhor".

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